29 de dezembro de 2008

Vidro

Antonio esperava chegar à alguma grande conclusão no final do ano; esclarecer algum grande dilema, escrever cartões aos amigos, ligar para os mais queridos e familiares. Antonio não fez nada disso.

À beira do novo ano, acreditou que era clichê demais fazer tudo isso, como sempre fizera, como sempre foi educado a fazer. Sem se dar conta, observando as plantas balançarem com o vento do outro lado da porta de vidro, perseguiu o que a mente tentava lhe esconder. Pensamentos vazios, translúcidos, percebeu que eram pensamentos sobre si, quase ninguém se da conta disso quando se pensa no vazio, na vastidão; o sentimento solitário é o mais egocêntrico de todos, e raramente é benéfico no momento em que se sente.

Sentiu-se como o vidro, como um filtro único da luz que somente a realidade e o fogo poderiam destruir. Mesmo quando chegou ao ponto de se enxergar aos pedaços, de vivenciar a dor com todos os seus amargos soluços de felicidade, aqueles que explodem diante de centenas de pensamentos acelerados...
'nunca amei, não tive escolha, não o fiz, não sou, esqueci, poderia, fui até onde quis... a idéia foi minha, não há ninguém, depois... mas ainda, seria diferente? eu nunca... sim, vivi.'

Chegou ao vazio ao olhar novamente pelo vidro da porta, as plantas à tarde, até que o pulso bateu fraco, nenhuma lágrima, só dor e alegria, o fim de um ciclo pode enlouquecer um ser humano.

Antonio lembrou-se que quando pensava muito sobre si, sobre os seus desejos, esquecia do resto. O resto era o presente. Dele ninguém pode escapar. Não foi à toa que algumas semanas depois de esquecer o vidro... (na verdade, ele sabia que dificilmente se esquece os sentimentos atrelados aos objetos, é um desvio necessário. Algo existe com a única função de materializar lembranças, viva com ela domada ou se livre do signo mas jamais da memória.) foi pego de surpresa por uma situação simples.

Os novos dias correriam ou se arrastariam. Antonio nunca esqueceria dos sentimentos que vieram através do vidro, não sabia se das plantas ou da luz, mas havia ainda a vontade de tentar; naquele ponto onde a solidão se torna individualidade e se consegue as coisas com a lucidez do preço que se paga por elas.

Sonhos por sonhos, e nem um centavo à mais.