30 de maio de 2008

Rogoberto, o Porco

Rogoberto era um porco feliz e falante. Claro, todos animais falam alegremente entre si, mas Rogoberto exagerava, não só pelo excesso de falatório, mas também por exagerar em qualquer coisa. Ele provinha de uma linhagem de porcos revolucionários e barulhentos; desta ascendência conservava apenas o barulho e era do tipo mesquinho e egocêntrico. Dizem que todos os porcos o são.

O problema principal de sua personalidade tão agressiva, na visão dos outros animais - oh sim, ele morava em uma pequena fazenda -, era a falta de tato e o descontrole crítico. Rogoberto não fazia a mínina questão de ser gentil se não fosse de seu interesse. Falava alto, xingava as galinhas, as vacas, arrumava intriga com os cavalos, gargalhava dos pequenos acidentes sofridos pelos patos e julgava ser superior a quase todos ali e em quase todos os aspectos. É evidente que Rogoberto nutria um fardo de mágoas e inveja, que nem mesmo ele compreendia às vezes, dos outros animais, e expressava isso aparentando uma autoliberação.

Esse remorso com o mundo vinha principalmente da admiração por determinadas qualidades que Rogoberto observava nos outros. Ele tinha pequeninos traumas pessoais, como qualquer um, mas convenhamos, Rogoberto era um porco. Odiava ter aquele pavoroso rabo enroscado (enquanto o cavalo tinha crina e cauda longas); aqueles pêlos grossos cobrindo sua linda e rosada pele (enquanto os gatos tinha pêlos lisos e sedosos, inveja os gatos principalmente); e acima de tudo: seu corpinho roliço e ligeiramente desajeitado. Este era o seu ponto fraco e, sempre que Rogoberto passava dos limites, os outros animais sabiam como atingí-lo.

O pesadelo pessoal de Rogoberto só veio ficar evidente algum tempo depois, quando ficou claro que ele não havia sido criado para ser um progenitor e só lhe restou comer, reclamar e espernear, e comer novamente, já que ninguém o olharia com olhos de malícia. Sobre ele só recaíam olhares distraídos ou de pena.

É curto o reinado de um porco, mas Rogoberto ficou durante muito tempo só na mesma rotina e diversões curtas, e ninguém procurou ampará-lo, pois entendiam desde o início qual seria o seu destino, aliás só haviam dois; uma restrição óbvia e evidente pelo seu comportamento, ou melhor, pela sua existência.

Não há perdão para os dias de guilhotina. C'est la vie, como dizem na França. C'est la vie, concluíram os outros animais.

4 de maio de 2008

As Ondas

Rebatiam a eternidade, e cada dia era novo, teve esse pressentimento, essa vontade de ter o encanto novamente. Viu nas ondas uma maneira; que importavam os sonhos nesses dias confusos e escuros? Durante a chuva, e mais ainda, durante a rotina, ela encontrava quem valia à pena, quem a fazia resgatar à si mesma das ondas, aquelas coisas envolventes. Com elas, porém, aprenderia sobre o tempo - ah veriam! veriam como ela sabia de si! - e como ele molda a gente, bem como o rio descreve vales, como sorrisos marcam nossa felicidade, o tempo silencia vozes.

Em um desses dias, notaria tudo aos poucos, viveria a dor, questionamentos; um girassol tristonho a murcharia só por sua existência, e perguntava-se: o que há nesta morte? o que há nesta vida? de que me servem as cores das unhas?

Ainda não enxergava além e nem poderia, o processo desmentia tudo, e vomitaria muitas vezes o bem e o mal sem saber distinguí-los; antídotos e venenos, minha querida, são ondas apenas quando se encontra o outro lado do espelho, mas ela saberia, ela encontraria; ela em um novo dia. Ou seu nome não era coragem.

2 de maio de 2008

A Praia

Aquela imagem tornou-se um pensamento esquecido, um esquecimento. Não estava feliz agora? Tinha feito todos esses meses o que mais amava desde sempre, desde aquela vida de loucura, desde o dia na praia.
Havia um vento pesado e quente naquela hora, mas nada parecia atingir o lugar, o pequeno cais acima do espelho d'água, a areia suja de pedregulhos, a vibração de pequenas ondas, não era mar e sim um lago, uma represa. E nada se via além de mato e montanha e água e nada. Mas haviam nuvens, e vento e calor, aprisionou ali alguns sentimentos novos; a infância já estava longe demais para revolver as entranhas, sendo assim, a imagem dela e de outras atirando pedras lisas na superfície para ver quem conseguia o maior número de saltos veio, mas retirou-se rapidamente. Não havia espaço no momento, o foco assimilou apenas luz - regras de luminosidade na fotografia, flashes, a exposição, regras, regras, regras - apenas a luz sobre a pequena praia entorno da bacia fria, pois todo o Sol se fora nos minutos dispersos; sentiu-se perdida, com medo, da onde tudo isso vinha? Por que agora? Praguejou com vontade contra alguém, ou algo, superior ou igual, tentando afastar as nuvens, a fúria, o erro.

O anel, o símbolo, o casamento, jazia no fundo frio do lago e na fonseca repleta de mágoas da sua criatividade, do seu sorriso. Naquela noite, apesar do frio, não vestira calças, ocupou-se em alargar com elásticos todas elas e sentiu o primeiro comichão de uma vida que não era sua.