29 de setembro de 2009

Telefonema de domingo

Hesitava em levantar da cama porque era Domingo. Um daqueles típicos, com Sol, o ar leve e gente na rua carregando caras de sono e sorrisos frescos. Mas ela delicadamente se enroscou ainda mais entre os lençóis, deixando apenas a cabeleira ruiva para fora.

Lílian temia o dia como um todo, não se satisfazia aos Domingos: acordava tarde, nem sempre tomava café da manhã, e corria para ler o horóscopo na revista; só, e em devaneios pela casa, vestida apenas com uma blusa azul e calcinha branca, ela olhava o telefone da cozinha, depois o teto da sala e finalmente arrastava-se em direção a mesa de trabalho no quarto. O tédio que a consumia não era por falta de prazer com as coisas óbvias, livros e amigos, tudo isso orbitava muito próximo das suas mãos, mas longe demais do seu desejo. E tentava se distrair da pior maneira possível, abrindo todas as janelas e ouvindo música em tom levemente alto.

Trágico seria pensar nele, pensava. E já tinha, obviamente, cometido sua falta. Mesmo com a cabeça nas nuvens, lá estava, saído do nada, em meio às frases mentais sobre o que comer, que parede pintar, para quem ligar, e ele surgia, fruto do seu humor agradável, da sua saudade. Considerou então, sem medo, apenas dando um gritinho abafado e apertando os olhos, que estava apaixonada.

O telefone tocou, mas sem assustar-se, ela abriu devagar um olho, depois o outro, deslizou até lá e atendeu: era ele.

2 de setembro de 2009

Diálogo do afeto

Um homem, nem tão velho, refletia sobre as próprias conquistas e temores àquela etapa da vida. Curioso, questionou um jovem:

- Ei, meu caro!
- Pois não?
- Estou aqui meio avoado, em dúvida sobre algumas viagens que tenho que fazer, como se fosse mudar o meu destino, daí ocorreu-me perguntar a você: que temes?

O jovem, que deveria ter não mais que vinte anos, não demorou a encontrar a resposta dentro de si, pois logo sorriu. Mas hesitou, embaraçado, contar ao homem. Tomando coragem na própria simplicidade do pensamento falou:

- Temo não viver um grande amor.

O homem riu. Questionou-o sobre as coisas da vida, as aventuras, as descobertas da maturidade, os estudos, não temia não vivenciar as conquistas que essas coisas proporcionavam?

- Sei que ainda sou um pouco novo para viver um grande amor - refletiu o jovem - Mas tudo isso que você me disse pode ser encontrado à qualquer momento, não nos pega de surpresa. E quando se encontra alguém que nos ama verdadeiramente, nada impede a realização dessas tais conquistas juntos.

Parou por um momento, percebendo que ele mesmo estava dizendo algo muito sério que não havia verbalizado antes.

- E mais - continuou - me preocupo, na verdade, se estarei é moralmente livre para amar, pois sei muito bem que o maior impedimento neste caso, ou seja, vivenciar pela primeira vez um puro afeto, é a nossa consciência estúpida e medrosa. Afinal, você nunca se apaixonou? É o que dizem quando acontece: o desespero é tanto que colocamos um monte de falsos empecilhos na frente para justificar o nosso medo.

E seguiu seu caminho, deixando o homem perplexo, e também livre da presença estranha para poder chorar.