26 de junho de 2007

Táxi

Então ela disse: "Alguns acreditam que o fim é o início de algo, sempre. Afinal algo sempre começa quando outra coisa termina. Mesmo que não siga a mesma linha. Porém, outros dizem que o fim é apenas o fim. Que após ele não há um início, há apenas outra fase, outro tempo, afinal você nunca mais viverá o último segundo que se passou."
Não era um café qualquer, uma aula de filosofia corria rapidamente por ali enquanto duas peruas discutiam a venda de um apartamento. O tédio não podia se encaixar em melhor momento, mas talvez ele não estivesse afim de aparecer.
"E no que você acredita?"
"Eu acredito neste cheese cake, ele é a minha doce realidade, o resto podia pegar fogo."
Ria de uma forma meio ridícula quando fazia afirmações como essa. Não que não fosse interessante, só que aquilo fazia parte de um espetáculo mental particular, como um desses reality-shows que empobrecem o ser humano, o único objetivo nesse individualismo era a auto-afirmação. Selvagem demais pro gosto da minoria. Mas...
"Vai comprar o relógio que tanto quer agora?"
Passava os dedos avidamente envolta da garrafa de água, uma forma de chamar atenção talvez, uma dúvida, ou fúria, contida por alguma lembrança, empurrada por um alfinete da situação.
"Não, na verdade quero ir para casa, agora."
Parou. A comida tinha acabado, a água era apenas água, cigarros nem pensar. Então...
"Você nunca se contenta com a minha companhia. Não te vejo tem três, três semanas."
"Quando falei casa, estava me referindo à sua casa."
Engoliu, mas não estava satisfeita. Não acreditava totalmente naquilo, silêncio. Talheres batiam ainda na louça por todos os lados. No vidro, onde não haviam reflexos, um trinco aumentava à cada dia.
"Voltou a pensar no plural? Tem quanto tempo agora? Cinco anos?"
"Seis. Mas isso não importa. Podemos ir agora?"
A conta já estava paga desde o início. Era incômodo ter que esperar uma confirmação para se levantar.
"Está chovendo. Trouxe o seu guarda-chuva?"
"Sim."
Foi no táxi. No táxi que perdeu as chaves de casa, as chaves dela.

18 de junho de 2007

Dream, Dream, Dream

Girar não é tão difícil, escandalosas lâmpadas envolta feitas para hipnotizar, base infantil na decoração, postes listrados, então montados em fibra de vidro, verdade "coloroca" surpreende no fim, música de algum, de todos, de baixo, pelos lados.
Girar em emoções desagradáveis não é tão difícil, tempos marcados, compassos, notas de uma antiga juventude, amarradas em maternos consolos do vento fraquinho.

Girar não é tão difícil... mas enjoa.

"All I have to do is dream... dream, dream, dream..."



Trecho da música "All I Have To Do Is Dream" - Everly Brothers

13 de junho de 2007

Sorriso Monalisa


Você é você até que perceba que não é. Facetas estranhas todos têm, sutilezas mentais, querer estranho, o que desejava Gioconda? O que escondia, segurava dentro e por que se deliciava com pensamentos impróprios ou não.
São esses sentimentos sazonais, essa coisa que muda o povo, uma troca de atos, uma peça total, pedestais para cada um, armários, corpetes, sapatos novos, há muito o que se refazer ou improvisar, cuidado para não cair, poucos sobem tão rapidamente, sangram os punhos para buscar atenção máxima. O pedestal, o suporte, a necessidade da iluminação, a troca de papéis, você é você até que perceba que não é.
Quantas rachaduras existem no seu espelho? Quantos vincos separam sua visão, as partes do ego, quantos relógios te dizem a hora?
Prefira deslizar entre as mentes alheias, ocupadas ou não, te querem de qualquer forma, até trocam palavras em voz alta, mas o que há dentro é mais real, ninguém solta seus adjetivos-pecados. Marque cérebros com os dedos, com as mãos, encrave-se até que os outros queiram pedaços, delícia, esqueça sempre quem é você, diga o que você é, o que você sente e pensarão profundamente no seu jogo pessoal.
Tragam o pedestal, Monalisa está sorrindo.

3 de junho de 2007

Pessoas

Somos então carbonocópias com água, somos iguais perante o científico e o divino, somos iguais diante de escolhas individuais e todo o resto. Mas somos tão diferentes em tantas singularidades, como não sentir atração por nós mesmos?
Pessoas são muitas em muitos lugares no mesmo lugar. São um acúmulo de sensações, quimicamente complexas, fisicamente possíveis, literalmente reais.
Temos inúmeras regras sociais, chamamos de 'sociedade' aquilo que possui um número considerável de indivíduos com valores similares, ou não. Complicamos o sistema linguístico, desenvolvemos teorias sobre nós mesmos, julgamos e concordamos, somos apenas pessoas.
Conceituamos família, lar, o certo, o errado, o novo, o velho, todas as ambiguidades, os opostos. Generalizamos, cobramos coisas inexistentes, aceitamos ideias, compramos uma planta ao invés de plantar uma.
Usamos palavras importantes, ser, sentir, criar. Nos dá tanto poder, tantas possibilidades, frases infinitas, livros imensos, extraímos o imaginário para ter uma espécie de segurança, seria isso?
Como não sentir atração por nós mesmos? Uns aos outros, somar todas as cores, todas as peças, com outras pessoas, descaracterizar expectativas, facilitar uma compreensão, restos são impossíveis, não há matemática que nos sirva como gostaríamos.
O que nós mais amamos, agora e sempre, somos nós e os outros.