31 de outubro de 2007

Conspiração Divina

Atormentada pela chuva, seguiu pela viela com os sapatos roxos, uma busca incansável o dia todo, enfrentou cada buraco do centro com a melhor das caras, agora nem tudo estava tão bem.
O brilho se fora, o azul também, escorria o cinza por cada canto, alguém espremia as nuvens lá em cima, fazendo-as largarem aos berros toda água possível.
Mortais é claro, completam seu sofrimento da melhor maneira. Encaixaram-se em carros, amontoaram-se em todos aqueles restaurantezinhos com ar não renovado, secos e com comida sem sabor, afinal a chuva não podia matá-los, mas o que dizer de todos os tratamentos de cabelo e sapatos bem cuidados? Estes infelizmente, apesar de durarem mais que a carne, não são mais os mesmo depois do contato com a simples mistura entre dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio.
Ela não, ela seguia. Com o pomposo guarda-chuva laranja-até-na-neblina, desviava dos bolsões e das poças, sem peso, deslizava e dançava, subindo e descendo os pés, direita e esquerda, lá estava a última opção.
A livraria burguesa não ficava na rua e sim dois andares acima do nível do alagamento. Só era possível saber da sua existência por uma antiga placa, e claro, para aqueles que detinham a informação há séculos a placa não tinha mais função alguma.
Subiu a escada antecipando a vitória, finalmente o teria nas mãos, agarraria-o em casa depois de largar as roupas e os sapatos longe, colocaria aquele vestido velho e entraria debaixo das cobertas antes de começar a leitura tão esperada. Estava certa quanto ao fato e conseguiu o livro ali no meio do cheiro de madeira velha e papel, sorriu para o velho dono, o judeu de nome difícil, e foi-se novamente pela escada.
Mortais é claro, completam seu sofrimento da melhor maneira, mas ela não, ela esquecia da regra básica. Os deuses só a lembraram da sua posição quando, ainda entorpecida pelo bem material adquirido, recebeu publicamente a maior poça d'água da sua vida direto do asfalto, no rosto e em todo o corpo.

27 de outubro de 2007

Limousine

- Rode por aí.

Ordens vinham da boca como sempre, aquele eterno cheiro de couro envolta, tudo preto, motorista, carro, sapato e segurança, tudo de preto.
Aquela vida, onde tinha começado? Quando foi a primeira vez que não teve que abrir a porta do carro? O primeiro flash, o tapete vermelho, milhas deles agora. À essa altura tudo era hábito, nem sabia direito onde estava ou para onde ía, muito menos a última vez em que se apaixonou por alguém. Paixão tinha, pelo trabalho, pela vida, nada muito sólido, convenhamos, esse tipo de vida não é sólida, não da forma que deveria ser.

Negava, mas sabia. E queria, almejava loucamente, há tempos. Nem se deu conta quando estava indo para outro chão coberto... pensava se a cor tinha algo a ver com sangue, toda aquela história de idade média, absolutismo e cabeças cortadas, talvez. E imaginava os daltônicos, nenhuma atração fatal por algo que só seduzia pela cor.

Em trinta segundos reviveu cada uma das decepções e quase todas as paixões, vieram rostos e lugares, veio o beijo no motorista enquanto aquele som detestável das câmeras zunia envolta, carregando, estourando e recarregando.

Deslizou o vidro.

- Para casa.

20 de outubro de 2007

A Aranha e o Escorpião

Não chove nas folhas secas.
Naquele pequeno submundo animal, entre os espaços na sombra de um tronco seco moram uma aranha e um escorpião.
Ardilosa e convencida a aranha se acha esperta demais. Preocupa-se com futilidades, oito patas pra dançar, cheia dos preconceitos, daquelas esquisitonas e senhora do próprio nariz.
Solitário e impaciente o escorpião dedica seu tempo livre a pensamentos sombrios. Extremamente vaidoso, crê em superstições, um completo perturbado.
A aranha é pop, o escorpião é sábio. Ambos concorrem às eleições daquele maldito tronco, e todos os anos, ambos perdem para um velho e pequeno roedor. Sim, um mamífero, um estúpido mamífero, solteirão, porco, e ainda por cima baladeiro de plantão, só saindo à noite.
Na verdade, o tal rato, era o delírio do povão. Seus restos de comida faziam a felicidade do formigueiro mais próximo, ele não tinha problemas com mais ninguém dali, alguns besouros gângsters talvez e, obviamente, todas as cobras da alta sociedade, mas elas não rastejavam até aquele tronco detestável para pertubá-lo.
A aranha, cansada e vendo as rugas surgirem, precisava ganhar a próxima eleição para atrair a atenção dos pretendentes.
O escorpião queria a ordem, todo o estardalhaço do rato espantava a boa comida de se aproximar, e além do mais, imagine ele, o escorpião, ganhando a eleição, era um sonho.
Fizeram um acordo, uma troca de veneno, matariam o rato e aí só restariam os dois para concorrer. O plano seria perfeito, mas os dois começaram uma discussão sobre quem tinha mais capacidade de dar cabo do roedor e ficaram nisso até o dito cujo aparecer. Completamente desnorteados com a presença quente e gorda do inimigo, o escorpião e a aranha tentaram, em vão, desconversar e fugir.
Claro, o rato devorou os dois naquela noite e palitou os dentes. E o tronco agora, virou reino.

15 de outubro de 2007

Ponto de Referência | Outubro

O décimo mês do ano nos apresenta as primeiras conclusões sobre o que aconteceu. É o início do alívio e do último desespero, principalmente dos estudantes, e as pessoas parecem mais apressadas em tudo, porém também estão mais aliviadas em saber que logo o ciclo termina.
Deveria ser uma regra geral em qualquer uma dessas constituições facilmente burláveis, "quando perceber que não falta nada, faça algo pelo tudo".
Poucos levam isso a sério, e os novatos devem começar com pequenos passos, devem sentir conforto com suas realizações e cumprir etapas sem tempo definido, o tempo certo é aquele que aparece em oportunidades, é quando você abre uma porta e se dá conta de que ela nunca esteve trancada.
É uma fina linha guiando, perceba-a sem tocá-la.