28 de janeiro de 2011

Sobre os dois

Quando ele apareceu não foi uma surpresa, estava marcado, ainda que de maneira não muito esperada, mas com ele não havia surpresas.

Ligeiramente inquieta - ainda que não deixasse demonstrar, não depois de tantos anos e ainda assim sabia que ele não notaria muita coisa - Estela começou a falar sobre algum amigo em comum que ligara ainda há pouco dizendo algo sobre a mãe ter perdido a paciência mais uma vez sobre...

Ele a interrompeu perguntando se poderia lhe arranjar um copo d'água.

Claro, ela poderia. Estava quente, foi até a cozinha pensando no calor, hesitante sobre diversos pensamentos que passavam por sua cabeça, mas mantendo a ideia fixa sobre algo trivial como o calor. Voltou perguntando se não era melhor trocar aquele seu colorido tênis por uma sandália baixa, ou talvez até mesmo a saia por um short, um short seria tão melhor, não seria? Questionava-se.

Foi quando inesperadamente ele perguntou se gostaria mesmo de ir. E a seu modo, justificou para si levianamente, até mesmo com algum tipo de confusão, para depois argumentar a favor, baixar a voz e perder-se de vez. Encarou-a, hesitou e olhou o tênis que ela usava de uma maneira que Estela entendeu por meio segundo como reprovação, e bastava.

Ficariam em casa então, estava tarde, mas podiam aproveitar e de repente chamar alguém. Uma pequena reunião, talvez mais duas pessoas e nada mais. Parecia bom.

Ele sorriu indeciso, distante.

Por uma ou duas horas arrastou-se uma conversa agradável entre ambos, mas que deixava evidente alguma falta de naturalidade, onde Estela, obviamente, sentia-se culpada por estar ainda carregando algum tipo de paranoia sobre toda a situação. Quando enfim relaxaram - era difícil dizer quando ele estava relaxado ou não, era previsível que não estivesse, mas subitamente poderia estar - conseguiram avançar em campos mais íntimos. Mas o sexo é uma reconquista difícil e estranha para dois corpos e duas mentes unidos pela resignação do fracasso.

Ausente de si, olhou-se duas vezes no espelho do banheiro enquanto molhava o rosto - estava incerta, à procura de algo, um momento que tivesse definido todos os outros. Fechando a torneira, lembrou-se: ele havia suspirado baixo duas ou três vezes que o celular tocara, justificando apenas com um "é sempre assim" que não foi dirigido à ela, mas para ele mesmo.

Sentou-se um pouco no chão do banheiro - ele dormia um sono pesado e silencioso, como se não sonhasse nada - e abafou um pequeno desespero. Era isso, vencera, e satisfeita não pediria explicações, mas sabia que o prêmio exigia uma pequena prenda, uma invisível e constante intranquilidade - era sempre assim -, uma presença ausente. Ali chorou lágrimas de ódio e ali, por alguns instantes, conformou-se.

25 de janeiro de 2011

Maduro

Tudo era enfim uma história vivida; sentimentos completos, redondos e macios, aqui e ali um ou outro frondava-se pelas memórias do homem de lábios secos, como frutos perigosos de carne suculenta. Ele começava a esquecer o sabor das lembranças e as deixava inertes, até que ficassem opacas e perdessem sua beleza externa, aquele primeiro momento quando uma delas desliza por trás dos nossos olhos e - mudos - às vezes fugimos, às vezes ficamos.

Inquietos estavam os pêssegos na fruteira e com eles as cores do instante, retocadas pelo desejo. Percebeu que a saudade era como a fome, pois a fome só nos traz a ausência e a necessidade, não o alimento. Queria os frutos outra vez. Sentí-los como no momento que revivia em sua mente. Assim era o fruto-sentimento - comido a garfadas de vontade - presente, memória e mentira.

Nenhum homem está a salvo dos frutos da saudade.

16 de janeiro de 2011

Das coisas que, não mais...

Não podia vencê-lo, odiá-lo, chorar sob seus pés, sorrir e soltar um riso, já não podia inventar mentiras, tropeçar em palavras, berrar de raiva ou de alegria, nem confiar ou desconfiar, saber o melhor ou até mesmo fazer ameaças sobre o pior. Não podia ganhá-lo ou perdê-lo. Amava-o e não podia negar ou confirmá-lo.

Acima de tudo, amava-o.