24 de setembro de 2008

Visão Primaveril

O silêncio dos objetos fornecia a liga para o caldo de emoções que ondulava em seu peito. E ali na varanda, iluminado por um pálido Sol, não havia qualquer inspiração, era mais um dia vazio.
A razão, porém, confrontava-o com idéias e reflexões simples, lembranças das conversas com os outros, os próximos. Seus olhos admiravam o espaço entre o rosto e o chão; arrumava os pensamentos de acordo com o que sentia. Habitava naquele exato momento o devaneio de alguém? Era a razão desse devaneio? Gostaria de ser? Silêncio.

Sabia que os dias viriam rápidos agora, e temia essa urgência dos meses.

Aquele caldo na verdade era um frio e escuro lago há algum tempo e nada perturbava a sua fresca superfície, até que alguém teve a coragem de atirar uma pedra.

De repente, perdeu a imagem mental ali da varanda ao avistar um pequenino pássaro vindo de outros tempos. Ele pousou lentamente... e foi recebido pela brisa quente da nova estação.

15 de setembro de 2008

Dias de Chuva

O gotejo fraco em massa batia e acumulava-se. 
Estando ela ali, estática, a observar da porta a fraca chuva que caía, também não conseguia compreender a precipitação dos seus pensamentos. Provinham da mesma fonte e, aos olhos inquietos da mente, pareciam muito iguais; temores ou alegrias, todos translúcidos com suas imagens borradas na parte de dentro. - Estava louca? - Aguardava ainda as crianças terminarem de se aprontar, mas não estava atenta, chovia e ela observava.

Nada naquela tarde foi muito diferente. Dedicou-se ao trabalho e agora teria de dedicar-se aos filhos. Era uma obrigação. Minutos antes já mantinha esse sentimento impuro sobre eles, simplesmente não estava afim de sair naquela tarde, naquela chuva, para levar os filhos às ocupações do dia. - Deixá-los em casa seria pior. - O problema estava escorrendo dos céus, essa era a verdade, mas vinha acompanhado da data em si. 

Um ano antes, precisamente, também chovia. Porém, a mulher sob o arco da porta, ela mesma, era outra; e também não nutria mágoas-fagulhas pelos filhos. Mas naquele dia estava livre de alguma maneira de si mesma, da personagem que absorvera com o passar dos meses.

Teve um caso - um momento, um dia, horas apenas - com o homem que lhe lembrava absolutamente todos os anteriores, mesmo não sendo muitos. Era um estranho e tornou-se adultério, simples e casual. Nunca se arrependera. Pensava sobre isso, enquanto encarava a água das poças tremulando com mais e mais gotas que caíam.

Ainda tinha o número do telefone.

Os filhos nunca entenderam direito - mesmo antes de esquecerem o episódio anos mais tarde - o dia em que a mãe simplesmente não os levou para alguma aula e saiu sozinha, voltando para casa apenas no dia seguinte. Sabiam apenas que isso fora o marco do divórcio de seus pais.

Ela nunca se arrependeu dos dias de chuva.