15 de maio de 2015

tábua de marés

É difícil ir embora, Stella. Não por você ou pelos outros, mas pelo arranjo de todos vocês à minha volta. Ninguém deseja que eu vá, embora todos saibam que eu devo ir.

Meu azar talvez seja nunca ter conspirado com o destino como muitas pessoas fazem. Eu nunca o vi. O destino definitivamente não pode ser o momento seguinte ao anterior; o destino - como nas grandes histórias - é o entretempo das memórias, do presente e do porvir; é engraçado que eu consiga vê-lo entre as marés alheias, como uma linha d'água entre um aniversário e outro daqueles próximos e acho até que do mais distantes. Eu posso ser apenas um hipermétrope sentimental, incapaz de me dar conta dessa coisa que estou dizendo, mas para mim não há maré, Stella, nem previsão. E este leito seco me parece agora menor do que antes.

Nós nunca nos amamos. Houve compreensão, carinho, afeto. Houve ódio e vingança. Não é uma boa história a nossa, não é mesmo? E através do espelho eu posso ver que a culpa foi toda nossa. Imagino que você tenha se perdoado. Faça-o, gentilmente, caso ainda não tenha feito.

Há algumas luas venho entendendo meu lugar, meu papel nessa pequena, mas muito densa, constelação em que você, eu e os outros existimos. Mas este é o meu medo: de que as pessoas me venham - digo, que a natureza delas se faça enfim diante de mim - quando já não forem capazes de sustentar o momento, como a luz das estrelas que chega até nós tarde demais.

Nem a água e nem a noite se apresentam, Stella. Eu preciso ir atrás delas, sozinho.