26 de julho de 2012

boa noite, meu bem

andar na praia, te encontrar
rever o meu destino, que nem sei
estrada, avião
chegar e fugir
das suas lembranças, sempre

mas te encontrar
sólido sobre a areia
e, hesitante, não olhar, não gritar
- ei!

e vestir um sorriso, largo
que sobra nas bordas
onde tropeço

esquecer os planos
acabou-se o dia
acabou-se a luz

e no seu silêncio me refaço
daquilo que sobrou
logo antes, logo depois
d'eu imaginar um beijo
e de tudo ruir
ao boa noite, meu bem


22 de julho de 2012

noites de terça

me pergunto o que houve conosco, Olavo, separadamente; sentada aqui no meio da tarde, em silêncio, tendo a concentração roubada pela sua inoportuna ausência (e a certeza da sua distância), como se você mesmo viesse ao meu encontro e, de súbito, me beijasse o rosto.

- levantou os olhos do livro, sentia o vapor fresco da água da lagoa subindo pelas frestas do deque. -

e perco meus valiosos minutos - só agora sei o valor do meu próprio tempo - com essa corda desafinada que abala a harmonia dos meus pensamentos; me dou conta, enfim, de que estou cercada pela desordem do cenário em que me encontro: inúmeras crianças e cães, campainhas de bicicleta e, é claro, o retumbar seco de um passe de bola: a inevitável lembrança das suas noites de terça arrancada no susto do

tum, tum; porra!

você está aqui, Olavo. você permanece. e eu, onde estou?

17 de julho de 2012

Sobrevoo

essa enorme distância entre as horas, essas inúteis anotações; o frio asséptico de cabines: um toque no vidro e lá estava ela; morna, desajeitada, a visão completa da fé embaçada que o Olavo possuía no afeto humano, uma certeza turva, pesada; uma âncora negra que o fazia submergir onde não queria.

não procurava as respostas, não se permitia; jogava com as mentiras um passatempo qualquer, riscando palavras nos livros, inventando rachaduras na rotina - colecionava desavenças baratas - e esquivava-se como um cão de rua raivoso da possibilidade de soletrar mentalmente qualquer coisa que fosse uma pétrea verdade sobre aquele assunto; sobre eles.

você, Estela; eu, Estela.

nós, Olavo; suspirou enquanto observava o céu - um bloco de mármore imundo - criando uma rápida nuvem de vapor; voltou os olhos ao nível da rua, quieta e alongada, um cenário à espera.
seu corpo agiu de forma estúpida, indo de encontro ao chão, à sujeira e, mesmo sem dor, Estela rompeu sensível sobre o asfalto, chorando.

quis vê-la, encontrá-la, por alguns minutos olhou pela janela com este sentimento, mas não havia nada, nem nuvens, nem estrelas, era noite apenas; algum lugar sobre o mar.

13 de julho de 2012

5:55

tantas vezes amáveis um com o outro; insones em doces carinhos, um a um em cada canto, um abraço, reabraço, envolvidos no silêncio daquilo que desejavam dizer, mas que nem as paredes ouviam; e por mais que fosse inverno, o quarto tinha o aroma quente e suave do afeto.

cedo vieram a manhã e a inquietude de Estela, que não era mais inquietude, mas resignação, vitória consciente, mas que os instintos, as vontades, botavam a perder.

- essa sua vida, você está gostando dela não é mesmo? - quase bêbada de sono, cuidadosa, propositalmente infantil.
- menos do que eu gostaria. - riu.

revirou-se, olhou o teto; Olavo fechou o cinto fazendo soar as argolas da fivela, marcando sua independência em relação à Estela, uma acorrentada liberdade de obrigações cujos benefícios lhe traziam novas experiências paralelas;

de repente os motivos de Olavo ficaram óbvios, Estela os reconhecia, douradas motivações contrárias ao elo de pertencimento alheio: o vigor da juventude à luz de um futuro incerto, o sabor das conquistas, movidas pelas eventuais recusas, a prática da valorização do ego; toda a esteira de argumentos masculinos, abotoados um por um enquanto Olavo fechava - de baixo para cima - a blusa xadrez vermelha; e pensar que não era ainda metade do que poderia ser, e que quando se conheceram, os dois, não eram metade do que eram agora.

Estela entediou-se na maré cheia da previsibilidade dos pensamentos acerca de Olavo, cansou-se; fugiu aos poucos enquanto tentava explicar o que já sabia, mas não aceitava como completa verdade.

trocaram um beijo. 
calaram-se.

10 de julho de 2012

23

ele escreveu o nome dela e parou.

compreendo; desejo; desculpas; era esse porvir; para mim; eu; eu; 

repetia-as para si - as palavras - quando envolvido numa resposta, escolhia-as entre muitas coisas banais do cotidiano e logo fatigava-se... na terceira ou quinta linha "já está bom";

a resposta não era um cortejo, uma tentativa, uma nova chance... a resposta era uma exigência; demanda.

uma linha.

(nada ia mudar)

estalou as costas com um gemido baixo, levantou-se: ainda tinha que ler o jornal.

8 de julho de 2012

sanguínea

eu esperei, Olavo, por horas na escuridão; escolhi a melhor das desculpas para ir dormir cedo: uma leve dor de cabeça que, no fundo, não era nada, mas servia de apoio ao meu desespero tal qual muletas para um aleijado; e assim permaneci, presa aos detalhes da noite - os cães, a ausência de brisa, os vizinhos chegando um pouco mais tarde que o normal - vascularizando minha esperança de redes finas de pensamentos; lembranças nossas, dias ensolarados - a paixão é sempre dourada de Sol -, mas também de venosas imagens inventadas: onde você estaria? e com quem? em infinitas comparações entre o que você faria comigo e com qualquer outra pessoa.

qualquer outra pessoa, Olavo, estava - de modo quase tangível - em melhores condições com você do que eu na minha imaginação.
com elas você dançaria, sorriria, saberia receber carinhos súbitos e retribuí-los; as levaria - pela mão - de um canto ao outro e deixaria se envolver no jogo sexual que um par exige, não porque quisesse, mas por que sabia que se apresentasse alguma primeira resistência todo o resto estaria perdido. Não é absurdo? que desconhecidos - quase plenos - possam circular nas fronteiras da sua confiança de modo livre, ativo, sem temer a sua rispidez infantil e o desprezo da sua falta de atenção?

mas, eu

Estela não sabia o que dizer, não conseguia verbalizar para si o inverso das cenas que montava, ainda que elas fossem muito mais reais, pois era a protagonista desses momentos; via-os como quem vê o próprio rosto na superfície de um lago e, confusa, abstraía todas essas imagens - reais e inventadas - de uma única vez, crente na razão obscura das coisas que a deixavam insone por algum motivo inexplicável naquele momento, mas - não tinha dúvidas - para fazê-la chegar ao seu próprio destino, para que pudesse enxergar um pouco mais o caminho.
Com os olhos fixos e os lábios abertos, Estela era um peixe; imersa em seu aquário de fantasmas, não mais uma mulher, mas a pura manifestação do seu inconsciente; até que alcançou o sono, amarga e tranquila, mas segurando os sonhos em rédea curta.

pela manhã o destino não lhe traria nenhuma dica; o dia estava cinza.

5 de julho de 2012

Leme

tantas vezes estive no Leme, na areia; você sabe, preciso desses tempos e desses lugares para encontrar alguma clareza dentro de mim, ainda que ocupado, eu sei - não largo o jornal ou aqueles tantos livros que leio - mas é meu estilo de botar a cabeça para funcionar.

nós sempre vínhamos ao Leme por algum motivo estranho, gostávamos tanto da prainha, do porre que era dirigir até a prainha, pra ficar lá só uma horinha; com você a praia era sempre curta, mas também essa sua mania de ficar com cara amarrada, eu achava que era tortura te deixar lá plantada numa canga horrorosa, sorrindo reto;

era amor, só agora eu sei; e mesmo estática você estava feliz, nada poderia me dizer isso na época, só esta lembrança dos teus olhos - estes sim, sempre vivos, sempre sorridentes - fixos no mar...

- fala alguma coisa.

e o par me espelhava num giro suave; e você, bom, você nada dizia; 

acabo de ver o mar e é em ti que estou pensando.

1 de julho de 2012

bonita

Amava-a. Marcando os cotovelos no parapeito daquela noite quente, amava-a; e a via no mar, linda em curva pela praia. 

- vou apenas dar um mergulho... sei que a água está gelada, claro que está, mas é...- desejava-a naquele momento - não vou demorar, Olavo, não seja chato!

Bonita, tão bonita, será que tinha essa percepção da própria beleza? Não era bela fisicamente, era até bem comum, mas irradiava um calor, uma brasa em cada olhar... e as mãos! que mãos quentes pra uma mulher tão inocente aos olhos.

- bonita, volte pra mim - suspirava da janela; volte, bonita.

e naquela noite a lua os acalmou como há muito tempo não fazia, com os tacos do chão todos iluminados, brilhantes de sinteco novo, refletindo as estrelas; dormiam sobre a cama, acima do céu.