17 de julho de 2009

eu ia

Eu ia comprar flores. Eu ia à feira escolher o peixe, dançar entre as barracas, encantada pelas listras laranjas e brancas, eu ia dedilhar as caixas de morango, e pediria ao seu Pedro: bom dia, seu Pedro! Hoje vai chover? - e ele me diria que não, para sustentar o meu sorriso. Eu ia, mulher desembestada, entre tantas outras, fedendo a gente, empoada com uma sacola biodegradável, estampada de verde e amarelo, eu a lotaria com meu prazer de escolha, entre os múltiplos frutos, legumes frescos; eu também dentaria um pastel. E vestida com aquela saia velha da minha mãe, eu estaria satisfeita, encontraria em mim outra vez a menina que fui, circulando de mão agarrada à uma saia igual àquela, vendo outras meninas, medrosas e chiliquentas; vendo agora outras mulheres, temerosas de amor, desiludidas, enfraquecidas já ao Sol da manhã, mas não eu, forte e corada, desejando apenas viver os momentos, saíria por cima das tensas mentes na feira.

Eu ia unir assim nós dois à mesa, em uma quinta comum, desimportante, mas que eu marcaria com o almoço, feito para acordar-te, nu e silencioso nos meus lençóis, um milagre sob meu teto; eu chamaria teu nome ao pé do ouvido, indiscreta e docemente. Tu então me erguerias sobre a vontade, sorriríamos.

E a mágica do som dos talheres justificaria meu afeto, com o sabor da noite anterior ainda presente em nossas mentes; nosso silêncio acabaria em despedida, eu sincera, tu feliz.

Eu ia agarrar-me aos travesseiros, girar por cima deles, envolvida em memórias de algodão, vermelho-opaco; a princípio muda ao ver-te recostado na porta, eu ia dizer: eu te amo; um calafrio me subiria a espinha, e tu dirias: eu te amo. Como nas outras vezes, fazendo um melhor compasso do meu dia, nós seríamos nós, e mais.

Desejando assim, eu fui.

8 de julho de 2009

Noturno

O inverno dourado contaminou-o de prazer. Foi o que constatou Pablo, ao percorrer as ruas em busca de novas formas de entretenimento e consumo; não era um amante da futilidade, mas recorria à ela vez ou outra quando o orgulho permitia. Afinal, este fruto da vida material é colhido por todos aqueles que vivem além da própria subsistência. Pablo ía além do rótulo, sua futilidade estava muito mais atribuída a um amor-próprio, a um carinho ao ego, do que a um comportamento da personalidade, já que esta, múltipla e colorida com intimidades diversas, permanecia ainda brilhante, fresca, só podendo ser vislumbrada nos olhos dele, e mesmo assim, se permitisse tal invasão ao sustentar o olhar alheio.

Sentia-se verdadeiramente apaixonado, envolto em mistérios da mente, sem qualquer ser em especial, amava o fato de amar, e entregaria este afeto em profusão quando fosse requisitado; o desperdício não estava em seus planos, e mantendo-se inalcançável saberia, pela surpresa do envolvimento, à quem deveria afortunar. Quanto aos outros, homens e mulheres desconhecedores da paixão como uma loucura, caíriam mortos e tementes ao sentimento.

Uma vez em casa, Pablo permitiu-se observar o divino como algo próximo, como sua essência verdadeira; estirou-se à noite no jardim, frio e silencioso, para encontrar todas as estrelas no mesmo lugar, como um milhão de fragmentos preciosos jogados em um manto negro de forma natural, criando um conjunto único, súdito de uma imensa pérola, que era a rainha da noite.
Desviou os olhos da realidade, permanecendo em sua solidão imortal, onde começou sem querer à sonhar, e tendo os lábios como única região do corpo ainda não entristecida pelo frio do jardim, dali partiu um suspiro quente, enrolado num desejo; rindo de olhos fechados, delirava e não percebia, a noite tentava em vão acordá-lo, mas como uma mãe observa o filho em conforto, a brisa cessara, e nada poderia afetar agora o sono do espectador ingrato do encanto noturno.

Seu sonho resumia-se ao calor de uma mão segurando a sua por um caminho tortuoso, fechado em meio a arbustos baixos, floridos ou não, e ria por não entender para onde estava sendo levado, mas confiava no guia desconhecido. Até que um galho feriu-lhe o rosto, hesitou, e violentamente puxado, continuou o caminho, mas logo as folhas verdes tornaram-se escassas, dando lugar a um roseiral desfolhado e ressequido pelo inverno, cujos espinhos arranhavam-lhe o rosto, os braços, e rasgavam-lhe as roupas. Mas não podia soltar a mão, se a soltasse, ficaria perdido. Deu-se conta de que seu dedos relaxavam, contra a própria a vontade, e o guia, quem quer fosse, não tendia a resgatar a força do enlace. Acabou sozinho, parado, e em meio ao desespero acordou.

A Lua havia sumido, e um vento cortou rapidamente a copa das árvores, anunciando assim um palco vazio, onde o amante solitário, Pablo, como o chamavam, livre de um pesadelo, desapareceu do jardim pela porta da frente, seguro do chão onde pisava, e mais ainda, de que o afeto guardado permanecera intacto; dormira em sua cama. Sem medo, e sem sonhos.