1 de fevereiro de 2015

trânsito

Observei a noite diversas vezes, creio que nela - nas horas que a compõem - há algo para ser encontrado; mais que um segredo, um conhecimento fornecido apenas àqueles que se dedicam a refletir sobre as ações humanas com o devido cuidado.

Eu encontrei a noite em momentos muito difíceis, Agatha. E como uma coruja ferida ela se afastou acanhada todas as vezes em que eu estava prestes a compreender os mistérios que revolvia marés em mim.

Embora muitos conheçam este sentimento, não conheço ninguém - exceto você e eu - que saiba admirá-lo. Me pergunto, Agatha, até aonde vai o sofrimento daqueles que observam... não. Há o inverso do solipsismo, Agatha? Há no mundo aqueles que, fadados a encarar o real como experiência completa - em todos os segundos inteiros -, percebem-se como uma ilusão? 

Eu disse a você coisas que não deveria ter dito, e não me perdoei. Não busco o perdão de qualquer maneira. 

todavia
os incêndios
a chuva

o temor que seu rosto se esgote sem que ninguém repare que nenhum dos seus anos foi roubado; que ele permaneça implacável como todas as coisas delicadas de uma casa, que mesmo ausente dos retratos, mesmo há muito refletido nos espelhos, separado do teu nome nas memórias alheias, que sim, que siga inevitavelmente entre os tempos depositados - múltiplo - e de recorte em recorte, de resgate em resgate, durante uma noite que pretende fugir sem demora, ou no movimento dos meus pés sobre as escadas, no sumo de cada laranja pela manhã

você
e nenhuma liberdade.