26 de março de 2009

Véu

Encadeou dentro de si três sentimentos: angústia, amor e ódio.

- Você teme à mim?
"Temo o fardo que você me apresenta" - pensou em como traduzir tal sinceridade bruta.
- Temo, por vezes, o seu afeto.
- Acha que cometeria loucuras?
- Não, eu compreendo. Sei a fúria que é gerada por um desejo, mas não sei como lidar com isso, quero dizer, desejo o seu desejo mais que tudo no momento, mas há em mim algo que me freia e me coloca em segurança; é como um beijo dado por detrás de um véu.

Não chegariam a lugar algum porque o medo os contaminava e fazia com que todas as vontades permanecessem aprisionadas junto com as palavras honestas que deveriam ser ditas.

- Você foge de mim. E de si.
- Como?
- Em sua rotina, em suas delicadezas, seu amor-próprio e também ao calar-se mentalmente, sinto que você procura outras memórias mais leves para não ter que vivenciar o presente que te imponho. Você afasta a minha imagem da guia que segue. Eu, por outro lado, me desoriento naturalmente e busco a você como norte porque aí encontro a segurança necessária em meus dias.
- Não, eu não fujo. Se fugisse seria mais fácil até para mim.
- Tenho minhas dúvidas. Mas é verdade que seus olhos não ficam distantes quando falam comigo.

O silêncio gritou. Todas as palavras ditas neste momento poderiam ser caras demais para ambos. Veio à mente do amante a frase incerta, cujo fim desencadeou uma intensa sensação de distância do ser amado, e que, se fosse materializada, apareceria na forma de uma fraca fumaça azul e brilhante, para então diluir-se na realidade do ar e dos outros pensamentos. Tomou-a de olhos fechados: "e por dentro dos corações aflitos pulsava uma bomba de flores agora murchas."

- Qual a nossa saída?

Perguntou porque sofria do vazio racional.

- Nossa saída é a mais antiga das sortes humanas. Como nas fábulas, o destino imporá o excesso a um e nada ao outro, um dos lados não suportará tal extremo e ficará livre. Enquanto o outro amargará a lição que nós, e digo isso em relação a todos os seres, temos que aprender cedo ou tarde.

Não precisou perguntar qual era a lição, já estava escrita e evidente: só se pode amar o outro, amando a si próprio.

- Mas quero ainda dizer-lhe uma última coisa, um julgamento é apenas uma precaução d'alma inquieta. Retire este véu.

E foi-se, sabendo que não estava em paz, mas ainda assim estava feliz.

14 de março de 2009

não tão distante da meia noite

(Ainda com o rosto seco, procurou pelas lágrimas que nutririam sua paz)

Pensou se era possível sentir saudade do que não se teve ou não se conheceu, mas este não era o caso, teve o vislumbre dias antes, quando olhou para o céu do amanhecer. Ali, sentiu que em algum lugar seu sentimento, e seus receios, tinham o par.

Não solitariamente, contestou o equívoco. Por hábito, viu-se lá pela meia noite, e a hora foi clara em seu clichê de questionamentos. Quando chegasse ao próprio leito, seria tarde demais, disso sabia, porém ainda seria cedo para o início de uma longa digestão mental.
Aquela coisa entre tristeza e alívio era como uma víbora que se alimenta de pensamentos e passa um longo período sem fazer outra refeição. Mas não sabia nomeá-la, só a ouvia internamente sibilando, sibilando, sibilando.

Às vezes acostuma-se ao sabor curioso da impotência diante dos atos. É como lamber uma colher vazia esforçando-se para lembrar de um gosto doce.

(As lágrimas não vieram porque seriam muito semelhantes às anteriores e, com essas, qualquer paz tornaria-se um mero bocejo infantil antes de um sonho inquieto sobre água)

Estava então lá pela meia noite, boiando na calmaria inicial da frustração. Sendo assim, a chuva achou melhor chegar em silêncio.