Encadeou dentro de si três sentimentos: angústia, amor e ódio.
- Você teme à mim?
"Temo o fardo que você me apresenta" - pensou em como traduzir tal sinceridade bruta.
- Temo, por vezes, o seu afeto.
- Acha que cometeria loucuras?
- Não, eu compreendo. Sei a fúria que é gerada por um desejo, mas não sei como lidar com isso, quero dizer, desejo o seu desejo mais que tudo no momento, mas há em mim algo que me freia e me coloca em segurança; é como um beijo dado por detrás de um véu.
Não chegariam a lugar algum porque o medo os contaminava e fazia com que todas as vontades permanecessem aprisionadas junto com as palavras honestas que deveriam ser ditas.
- Você foge de mim. E de si.
- Como?
- Em sua rotina, em suas delicadezas, seu amor-próprio e também ao calar-se mentalmente, sinto que você procura outras memórias mais leves para não ter que vivenciar o presente que te imponho. Você afasta a minha imagem da guia que segue. Eu, por outro lado, me desoriento naturalmente e busco a você como norte porque aí encontro a segurança necessária em meus dias.
- Não, eu não fujo. Se fugisse seria mais fácil até para mim.
- Tenho minhas dúvidas. Mas é verdade que seus olhos não ficam distantes quando falam comigo.
O silêncio gritou. Todas as palavras ditas neste momento poderiam ser caras demais para ambos. Veio à mente do amante a frase incerta, cujo fim desencadeou uma intensa sensação de distância do ser amado, e que, se fosse materializada, apareceria na forma de uma fraca fumaça azul e brilhante, para então diluir-se na realidade do ar e dos outros pensamentos. Tomou-a de olhos fechados: "e por dentro dos corações aflitos pulsava uma bomba de flores agora murchas."
- Qual a nossa saída?
Perguntou porque sofria do vazio racional.
- Nossa saída é a mais antiga das sortes humanas. Como nas fábulas, o destino imporá o excesso a um e nada ao outro, um dos lados não suportará tal extremo e ficará livre. Enquanto o outro amargará a lição que nós, e digo isso em relação a todos os seres, temos que aprender cedo ou tarde.
Não precisou perguntar qual era a lição, já estava escrita e evidente: só se pode amar o outro, amando a si próprio.
- Mas quero ainda dizer-lhe uma última coisa, um julgamento é apenas uma precaução d'alma inquieta. Retire este véu.
E foi-se, sabendo que não estava em paz, mas ainda assim estava feliz.
Um comentário:
Bom demais. Muito bom mesmo. A narrativa flui perfeita e o personagens se constróem incrivelmente belos em seus extremos. É uma daquelas coisas que a gente lê e pensa: porque não pensei nisso tudo antes?
rsrsrs
Depois de um bom tempo atualizei o Infinito, se der, passa lá.
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