Acontecia de acordar desencantada, sinal claro de que estava suportando algo além do possível. Um ensaio fraco de sorriso na frente do espelho e só, não era preciso muito mais para lembrar das frases marcadas, mastigadas, que serviam para enaltecer o ego e colocá-la em foco com a vontade.
Nada disso realmente adiantou, estava insegura demais, dura com as palavras, jogando com os fatos, na brincadeira maldita de destruição do amor próprio. Sentia-se estúpida e suja. E não admitiria, mas estava era com um ódio dele, do infeliz, e da puta que supunha estar em cima dos dedos dele naquela noite. Uma desiludida, boçal, cheia dos gostos marcados, citaria autores óbvios e filmes românticos na conversa, e ainda assim sentiria-se esperta, como se o peso dos livros, do bacharelado, tudo isso embonecado numa estante, fosse suficientemente glorioso na vida. Preferiria ter inveja de um ser como esse do que ter a plena noção da inferioridade evidente. Não que fosse incapaz, mas a outra nada mais tinha do que uma casca social, um monte de opiniões que não eram dela, e podia vê-la claramente contestando e legitimando tudo pela noite, dizendo a si mesma: não posso deixar de gostar disso porque tais pessoas gostam. Uma idólatra, burra, presa eternamente nos seus dezessete anos.
Queixou-se de dor de cabeça ao telefone, duas vezes, nem ao menos conseguia linearidade nas ideias, queria vingar-se, mas esse sentimento impuro só traria problemas, esfaquearia o abstrato e atingiria a si. Não iria a lugar nenhum, tampouco o procuraria, sabendo do divertimento singelo que ele arrumara, que o mesmo lambesse os beiços. Se não tinha consciência dos atos, teria depois, sem que ela precisasse suspirar ou mesmo aparecer. Ficaria prostrada em casa, insana, encaminhando as coisas suas, mordida até o talo de ciúmes.
Vazia, era como desejava estar. Queria jogar fora as imagens, a saudade, até mesmo o medo e a raiva. Não clamaria pelos outros, pelos próximos, nem por ele. Deixou a coisa ferver, até que exausta, silenciou as vontades e acalmou-se. Se alguém perdesse, mais e mais, não seria ela. Porque a noção de derrota se dá, quando acredita-se na própria impotência; ele sim, covarde, negaria a conquista mais difícil por preenchimentos momentâneos, mulheres destoadas, simuladoras do gozo.
Como num fim de festa, ela recolheu copos nem tão cheios pela casa, todos de água, com a marca de seus lábios. Sem se dar conta, tinha espalhado vários ao longo do dia. Quebrou um, e ouvido o baque, ela mesma pois-se a chorar em direito, armando-se de uma clara defesa que não controlava. Queria vê-lo, mais ainda, sentí-lo, porque ela mesma sabia estar - ao imaginar tantas situações ruins - cada vez mais distante; sitiada em um intervalo perigoso.
Um comentário:
Perfeito. Depois que vi que tem comentários meus de 2006, fiquei de queixo caído! Meio fundo, de rasgar, mas bom. Denso.
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