8 de julho de 2009

Noturno

O inverno dourado contaminou-o de prazer. Foi o que constatou Pablo, ao percorrer as ruas em busca de novas formas de entretenimento e consumo; não era um amante da futilidade, mas recorria à ela vez ou outra quando o orgulho permitia. Afinal, este fruto da vida material é colhido por todos aqueles que vivem além da própria subsistência. Pablo ía além do rótulo, sua futilidade estava muito mais atribuída a um amor-próprio, a um carinho ao ego, do que a um comportamento da personalidade, já que esta, múltipla e colorida com intimidades diversas, permanecia ainda brilhante, fresca, só podendo ser vislumbrada nos olhos dele, e mesmo assim, se permitisse tal invasão ao sustentar o olhar alheio.

Sentia-se verdadeiramente apaixonado, envolto em mistérios da mente, sem qualquer ser em especial, amava o fato de amar, e entregaria este afeto em profusão quando fosse requisitado; o desperdício não estava em seus planos, e mantendo-se inalcançável saberia, pela surpresa do envolvimento, à quem deveria afortunar. Quanto aos outros, homens e mulheres desconhecedores da paixão como uma loucura, caíriam mortos e tementes ao sentimento.

Uma vez em casa, Pablo permitiu-se observar o divino como algo próximo, como sua essência verdadeira; estirou-se à noite no jardim, frio e silencioso, para encontrar todas as estrelas no mesmo lugar, como um milhão de fragmentos preciosos jogados em um manto negro de forma natural, criando um conjunto único, súdito de uma imensa pérola, que era a rainha da noite.
Desviou os olhos da realidade, permanecendo em sua solidão imortal, onde começou sem querer à sonhar, e tendo os lábios como única região do corpo ainda não entristecida pelo frio do jardim, dali partiu um suspiro quente, enrolado num desejo; rindo de olhos fechados, delirava e não percebia, a noite tentava em vão acordá-lo, mas como uma mãe observa o filho em conforto, a brisa cessara, e nada poderia afetar agora o sono do espectador ingrato do encanto noturno.

Seu sonho resumia-se ao calor de uma mão segurando a sua por um caminho tortuoso, fechado em meio a arbustos baixos, floridos ou não, e ria por não entender para onde estava sendo levado, mas confiava no guia desconhecido. Até que um galho feriu-lhe o rosto, hesitou, e violentamente puxado, continuou o caminho, mas logo as folhas verdes tornaram-se escassas, dando lugar a um roseiral desfolhado e ressequido pelo inverno, cujos espinhos arranhavam-lhe o rosto, os braços, e rasgavam-lhe as roupas. Mas não podia soltar a mão, se a soltasse, ficaria perdido. Deu-se conta de que seu dedos relaxavam, contra a própria a vontade, e o guia, quem quer fosse, não tendia a resgatar a força do enlace. Acabou sozinho, parado, e em meio ao desespero acordou.

A Lua havia sumido, e um vento cortou rapidamente a copa das árvores, anunciando assim um palco vazio, onde o amante solitário, Pablo, como o chamavam, livre de um pesadelo, desapareceu do jardim pela porta da frente, seguro do chão onde pisava, e mais ainda, de que o afeto guardado permanecera intacto; dormira em sua cama. Sem medo, e sem sonhos.

Nenhum comentário: