Antes de mais nada, não estava chovendo, e os passos, quase nenhum, soavam ocos nas calçadas, ou simplesmente não soavam. Havia aquela poeira noturna, dava pra ver sob os holofotes de mercúrio, detestava-os.
Olavo estava na rua buscando sábias lembranças. Sempre que estava inesperadamente fora de casa, e naquele momento ainda estava, cercava-se de memórias inusitadas, sem foco, marcadas somente pela presença de alguém que trouxe algum significado novo para todas as suas perspectivas, alguém que tenha lhe surpreendido. Eram muitos, mas poucos se todos fossem considerados.
Ele a encontrou cruzando a rua, cega em pensamentos, cansada àquela hora, de salto e bolsa, um cacho em destaque além dos outros, balançando desengonçadamente no ritmo das pernas dela. Entrou num táxi, sumiu. Não tinha conseguido vê-lo, mesmo se quisesse, pensava afoita em si, em como queria abraçar-se no banho frio, e desejava deitar e dormir, sonhar tranquila com imagens estranhas, fatos que jamais ocorreriam com completos desconhecidos. Amava muito a ficção do seu inconsciente, e desenhar no teto do quarto todos os rostos que gostaria de ver. Ela ria no caminho, presa à bolsa, mas baixinho, concordando com tudo que o motorista lhe dizia, sobre a chuva que viria no final de semana, os tempos de violência - não eram sempre tempos violentos? -, as notícias óbvias, sim, os políticos cada vez piores, sim, os mesmos filmes sobre desencontros. Sim, vivia este desencontro. Toda a mesma expectativa, conseguir com algo, ou com alguém, o ideal. O que realmente desejava para a sua vida.
Por não saber, chorou.
Olavo ainda estava no cruzamento, do outro lado da rua. Ligou três vezes para o mesmo número, que não, não era o dela. Sem resposta.