26 de novembro de 2009

Luz de mercúrio

Antes de mais nada, não estava chovendo, e os passos, quase nenhum, soavam ocos nas calçadas, ou simplesmente não soavam. Havia aquela poeira noturna, dava pra ver sob os holofotes de mercúrio, detestava-os.

Olavo estava na rua buscando sábias lembranças. Sempre que estava inesperadamente fora de casa, e naquele momento ainda estava, cercava-se de memórias inusitadas, sem foco, marcadas somente pela presença de alguém que trouxe algum significado novo para todas as suas perspectivas, alguém que tenha lhe surpreendido. Eram muitos, mas poucos se todos fossem considerados.

Ele a encontrou cruzando a rua, cega em pensamentos, cansada àquela hora, de salto e bolsa, um cacho em destaque além dos outros, balançando desengonçadamente no ritmo das pernas dela. Entrou num táxi, sumiu. Não tinha conseguido vê-lo, mesmo se quisesse, pensava afoita em si, em como queria abraçar-se no banho frio, e desejava deitar e dormir, sonhar tranquila com imagens estranhas, fatos que jamais ocorreriam com completos desconhecidos. Amava muito a ficção do seu inconsciente, e desenhar no teto do quarto todos os rostos que gostaria de ver. Ela ria no caminho, presa à bolsa, mas baixinho, concordando com tudo que o motorista lhe dizia, sobre a chuva que viria no final de semana, os tempos de violência - não eram sempre tempos violentos? -, as notícias óbvias, sim, os políticos cada vez piores, sim, os mesmos filmes sobre desencontros. Sim, vivia este desencontro. Toda a mesma expectativa, conseguir com algo, ou com alguém, o ideal. O que realmente desejava para a sua vida.

Por não saber, chorou.

Olavo ainda estava no cruzamento, do outro lado da rua. Ligou três vezes para o mesmo número, que não, não era o dela. Sem resposta.

8 de novembro de 2009

Rosa-dos-ventos

Vou, atirada à dúvida, incerta da nossa indecisão. Certa de que não terei nada à comparar, distraída pelo caminho, sonhando na tua ausência, mas sigo, com o riso calado sem temer a minha vitória junto àqueles que me querem tão bem.

E este desconforto, este remoer vibrante entre nós, é fogo de palha.Mas penso também em seus desejos, e em como me queres bem; penso, enfim, em como te vejo, bonito à mirar o espelho, cantando baixo alguma música, levantando os olhos para a janela, nada, mas o céu, juntando sorrisos, o seu sorriso.

Vou descrente, abrindo as janelas para o calor do tédio, tentando lembrar onde nos perdemos, em que canto, em quais palavras, tão imensas, mas ainda menores que o silêncio, este sim o culpado, não nós, mas nosso silêncio.

Outra vez, quem sabe, será de novo, aquilo que já se foi, e fingiremos uma noite, em meio aos copos, desviando olhares, rindo dos nossos hábitos, e das histórias que tantos contam. Mas hesitarei, cavando atrás de algum arrependimento, entre uma coisa ou outra. Minha escolha, porém, é sempre o inusitado, o estranho conhecido, pois aprendi as suas regras no jogo.

Nestas ilusões, encarnadas no medo e na vontade, neste fingir para criar novas lembranças tão semelhantes, haverá sim uma rosa-dos-ventos, arrastando-nos mais uma vez para o nosso afeto.


Texto em resposta à "Para seja-lá-qual-direção" de Thiago Terenzi