22 de agosto de 2015

delta

Meu caro Pégaso,


Você se lembra da noite no quebra-mar? Talvez a única por lá, e para mim a mais importante. Lembro do meu medo de que a conversa caísse no lugar comum e de como me desfiz, pouco a pouco, da personagem que me envolvia.

Quantas palavras, Pégaso, dediquei à fantasia das nossas memórias, quantas vezes fui ao fundo de cada diálogo para recuperar cada lágrima, mágoa ou sorriso que me parecesse importante. Quantas vezes o mar, o céu, a praia e o barquinho foram minha resistência à porosidade dos nossos afetos, bons e ruins, gentis ou amargos.

Era inevitável que a sorte nos trouxesse até o momento em que estas memórias surgissem desarmadas, e que nosso reencontro após tantos anos fosse um previsível resto de alegria difusa, amarela, com a textura de uma liberdade simples, quase infantil. Não somos e nem éramos, (um diante do outro) como poderíamos ser?

Apressamos a primavera com nossas escolhas, Pégaso, e mesmo que o destino nos envolva em uma futura charada, só posso acreditar que a minha maturidade trará conforto onde houver dúvida e afeto onde faltar o desejo. Não cabe a mim continuar o desenho de uma história que não terá prosseguimento e cujo fim, após um trajeto tão tortuoso, é um delta de águas claras que amansa diante do mar.

Você tem visto o céu? De que cor ele é?


E.


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Esta é a última postagem deste blog. 


4 de junho de 2015

oclusão

é este o ato final, Pégaso? a urgência das minhas palavras não busca por seu voo no horizonte, nem meus olhos se detém sobre o reflexo das nuvens nas janelas.

há muito deixei o labirinto, sem guias, sem direção. e na proteção daquilo que me revolvia as entranhas com dor e conforto, deixei de reconhecer a liberdade como algo verdadeiramente livre.

tudo que construí a partir da dúvida, das brechas que me davam a visão do mar, foi uma verdade imperfeita: 

vejo a praia e não sei; imagino outra vez o barquinho, as ondas, e afogo estas lembranças dentro de algum lugar em que não podem ser encaradas; mas se a maré cobriu todos os caminhos anteriores, e se não há nada no céu que me sirva para além de uma vingança sem resultado que não seja a sangria das minhas feridas, o mar enfim se oferta como destino.

além da bruma, além da bruma.

15 de maio de 2015

tábua de marés

É difícil ir embora, Stella. Não por você ou pelos outros, mas pelo arranjo de todos vocês à minha volta. Ninguém deseja que eu vá, embora todos saibam que eu devo ir.

Meu azar talvez seja nunca ter conspirado com o destino como muitas pessoas fazem. Eu nunca o vi. O destino definitivamente não pode ser o momento seguinte ao anterior; o destino - como nas grandes histórias - é o entretempo das memórias, do presente e do porvir; é engraçado que eu consiga vê-lo entre as marés alheias, como uma linha d'água entre um aniversário e outro daqueles próximos e acho até que do mais distantes. Eu posso ser apenas um hipermétrope sentimental, incapaz de me dar conta dessa coisa que estou dizendo, mas para mim não há maré, Stella, nem previsão. E este leito seco me parece agora menor do que antes.

Nós nunca nos amamos. Houve compreensão, carinho, afeto. Houve ódio e vingança. Não é uma boa história a nossa, não é mesmo? E através do espelho eu posso ver que a culpa foi toda nossa. Imagino que você tenha se perdoado. Faça-o, gentilmente, caso ainda não tenha feito.

Há algumas luas venho entendendo meu lugar, meu papel nessa pequena, mas muito densa, constelação em que você, eu e os outros existimos. Mas este é o meu medo: de que as pessoas me venham - digo, que a natureza delas se faça enfim diante de mim - quando já não forem capazes de sustentar o momento, como a luz das estrelas que chega até nós tarde demais.

Nem a água e nem a noite se apresentam, Stella. Eu preciso ir atrás delas, sozinho.