5 de setembro de 2007

Dias de Fuga

- Meu caro, o que há de errado hoje?
- Espero que a terra abra e me coma, mesmo com o alívio brutal que me domina, todos os dias têm sido de fuga.
- E você foge do quê?
- Corro dos pensamentos, dos problemas, quero esquecer qualquer tipo de emoção boa ou ruim.
Sem perceber perdemos o céu e andamos com um cabresto nos olhos condenando a visão. Pelas ruas, entre tanta gente, só pensamos no que vamos fazer e como vamos fazer, já passa das duas, e não chove, ninguém nota o cinza acima das cabeças, ainda estamos tentando esquecer as cobranças pessoais, o inquérito dos egos, dos personagens que querem aparecer. Mas tudo volta, e revolta, comendo cada pensamento leve que desejamos ter; opa, uma vitrine. Não, ainda há aquela outra coisa que queremos comprar e levar para dentro de um armário, engavetar como cada infeliz figurino que usamos todo o tempo.
Em dias de fuga só se pensa em lugares visitados, em pessoas que nunca mais vimos, naquele cheiro de onde já moramos. No amor que nunca tivemos.
Sapateamos em escadas, corredores, com objetivos curtos, chegar é o principal, sair torna-se um pesadelo. Ouvimos nossa própria respiração, descendo e subindo, ainda tem tanta coisa pra fazer.
Paramos. Os dois olhos observando o que há de errado (meu caro, o que há de errado hoje?), tudo passa na frente e é tanto... de tudo. Mas então percebemos que não estamos vendo o que há fora e sim remexendo o que está dentro.
Então esperamos que algo dê errado (... que a terra abra e me coma), mas nada dará errado porque tudo está certo (... o alívo brutal que me domina). Inventamos um erro, forçamos uma ideia que passa pela brecha aberta por um simples questionamento.
Meu caro, o que há de errado hoje? Não está vendo? Os dias agora são de fuga.

Um comentário:

Loy disse...

Julio, palavras certeiras chegando no alvo do que é esta sensação, este momento, que você tão bem denomina "dia de fuga".

Quantos será que teremos que ter até conseguir desligar isso, para ter mais "Dias de Coragem"?

"Então esperamos que algo dê errado (... que a terra abra e me coma), mas nada dará errado porque tudo está certo (... o alívo brutal que me domina). Inventamos um erro, forçamos uma ideia que passa pela brecha aberta por um simples questionamento."

Muito bom!