26 de dezembro de 2007

Oceania

Sentada numa das rochas da praia, descansava do mundo das águas. Cantava sozinha, pensava assim, pois cada onda e passáro cantava com ela, ali na praia deserta quase ao amanhecer.

O corpo coberto de escamas-platinas, longos cabelos negros, uma respiração densa e profunda, respirava com o oceano, era o mar e tudo o que nele vivia ou reinava. Era mãe e pai daquelas criaturas, grandes ou pequenas, feias, lindas ou só estranhas. Era filha do Céu com a Terra, admirada e eternamente agraciada pelo Tempo, um fruto perfeito, e seus filhos dançavam em seus domínios livres, de cor transparente-azul-profundo.

Viu o Sol chegar e tocar-lhe o rosto, sorria e abraçava indiretamente toda a faixa de areia, vindo e deixando-a, como um encontro de desejos; deslizou para o reino das águas, e cada coisa viva lhe abriu espaço, sentiu-se amada, sabia amar, imortal não era infeliz, vivia só de paixão, e as estrelas que não tocava no céu fazia brotar no mar, e se chorava, choravam pérolas as conchas;

Foi um dia depois de piscar que viu o homem. E ao homem deu tudo que tinha, até o que não era pedido; e a ingratidão gerou fúria, a fúria matava o homem e os filhos dele. Agora esgotava-se todo dia, e via os pais sofrerem com ela, morria com eles, e vivia o homem.

Nunca mais voltou à praia; apesar do medo, não conseguia deixar de amar o homem. E sabia que se existisse o fim para ela, este chegaria antes para ele.

14 de dezembro de 2007

A História do Tio Fred

Frederico sempre foi bom moço, bem apessoado, aquele que sorri só de acordar de manhã. Frederico tinha um sobrinho, um curioso sobrinho, atento e incisivo.

Os dois costumavam passear uma vez por semana, uma pequena volta no mesmo lugar de sempre, a mesma coisa, as diferenças deveriam estar nos detalhes, mas para uma criança tudo é sempre novo, mesmo o que já está lá há tempos.

- Tio Fred? - uma puxada de mão.
- Hum. - a distração natural, não percebeu a carinha com uma gorda dúvida piscando.
- Tio Fred! - parada súbita.
- Siiiim? - de leve, porém impaciente.
- Quando chove... pra onde vão as borboletas?
- Para onde vão as borboletas quando chove? - típica confirmação adulta, quando não se encontra a resposta imediata é preciso repassar a questão.
- É.

Frederico não sabia responder aquilo. Afinal que tipo de pergunta insana era aquela no meio da tarde? Só foi entender quando viu, quer dizer, quando constatou de forma consciente, que o chão estava úmido pela chuva da noite e algumas borboletas passavam deslizando no ar com o sol quentinho deixando qualquer coisa mais viva.
Encarou o sobrinho, grande olhos azuis, o rosto corado e as mãozinhas afastando o cabelo da testa suada, haviam se passado quinze minutos desde o início da caminhada, para uma criança pode ser algo cansativo.

- Acho que quero um sorvete agora, tudo bem? - dá-se autoridade aos pequenos quando se fica sem saída, o sorvete seria apenas tempo, uma alternativa fajuta.
- Tá. Eu quero de limão! - claro, sabia que teria a resposta, mesmo ainda novo, compreendeu que o tio sem resposta só estava tentando arrumá-la.

Sentaram os dois num banco verde de praça, a criança mais velha de pernas cruzadas e a crianças mais nova balançando as pernas no ar, perguntando-se quando finalmente as duas alcançariam o chão. Anos mais tarde riria disso, ou apenas lembraria de momentos como esse, das pernas no ar. Inquieto, Frederico pois-se a pensar naquilo de uma forma mais séria, afinal a única desculpa que tinha achado era a de que provavelmente elas ficavam entre as folhas das árvores evitando ao máximo serem encharcadas. Pensou em inventar uma história curta, porém fantástica, afinal todo mundo fazia isso com as crianças, mas achou que seria injusto com o sobrinho.

- Gabriel? - veio o pensamento sádico de que todas morriam afogadas, riu até, mas não iria falar isso, não era nem verdade.Gabriel-mãos-de-sorvete apenas virou e olhou.
- As borboletas se escondem da chuva, é por isso que de manhã, ou qualquer hora depois que chove, quando você vê uma ela está pousada em algum lugar abrindo e fechando as asas. Ela faz isso para se secar. - atribuindo aquela intimidade canina aos animais não domesticáveis para facilitar a compreensão. O sobrinho apenas piscou.

- Mas onde elas se escondem? - a dúvida apareceu logo no início da explicação.
- Aí eu não sei. Vamos pra casa? Suas mãos estão sujas, toma o guardanapo. - levantou-se e esperou até que a coisinha limpasse as próprias mãos, a boca, esfrangalhando o guardanapo, mas ficando limpo de fato.
- Elas devem ir pra cima das nuvens! E lááá em cima ficam voando até acabar a chuva! - esticou os braços aos céus, empolgado com a própria resposta.
- É, talvez. - sorriu para o sobrinho.
- Mas eu sei pra onde vão os passarinhos. - com toda a pompa.
- É mesmo? Para onde? - devidamente interessado agora, colocou o pequeno em cima dos ombros só porque avistou alguém fazendo o mesmo, e adorava isso.
- Pro ninho, ora essa! - a expressão era uma novidade, usava só quando queria parecer mais esperto, ou ser mais divertido, mesmo que esses conceitos só estivesse subentendidos.

Frederico, depois de rir apenas confirmou com um 'claro, claro', e seguiram no passeio agora já em direção ao conforto do lar.

- Tio Fred, o chafariz não tá ligado hoje. - sacolejando nos ombros, apenas constatou com uma cara desapontada.
- Ah é? É mesmo, eu não percebi. - sentiu-se meio lerdo por não ter percebido o enorme chafariz sem todos os jorros de água e aquele barulho borbulhante. Mas não era só isso, sem a água sendo remexida viu carpas nadando lá dentro.
- Gabriel olha quanto peixe! - sacudindo os joelhos pendurados de cada lado da cabeça.
- É, eu já vi. - o tom mais desanimado ainda era por causa do chafariz, mas os peixes sempre estiveram lá, e ele sabia disso.

Mais uma pequena volta no mesmo lugar de sempre, a mesma coisa, as diferenças deveriam estar nos detalhes, mas para as criancinhas tudo é sempre novo, mesmo o que já está lá há tempos.