31 de outubro de 2008

Mulher

Naquela manhã decidiu pela verdade. Estava apta a sentir essa faca cruel dos fatos, não tinha medo, mentira; claro que sentia, fervia o medo bem abaixo do estômago e o soprava espinha acima, mas mantinha-se bruta e direta.

Através do corredor, das garrafas espalhadas, das imagens da noite anterior, todas aquelas pessoas pelos cantos na sua própria casa, e as luzes, teria ouvido a conversa certa? Ou apenas estava entuchando o peito com motivos para deixá-lo? - Deixá-lo traria a dor do parto de um amor inteiro, o aborto de todas as delícias vividas em conjunto, tudo coado e guardado como mágoa amarga, nem mesmo os próximos poderiam adoçar o sentimento que ela gestava. - Respirou o ar da sala: cigarro.
Pensou logo achar a vassoura, varrer o chão, muito mais, queria lavar a casa toda, a cama e os lençóis. 

Vingativa; queria matar o homem ainda adormecido. Tão intolerante, tão sem graça ali despido, espichado e apolíneo, de uma normalidade tremenda, nada cativo, nem pelo cheiro sentira-se atraída, era tal qual um cadáver, porém quente e macio. Gostoso.

Imersa em monólogos na cozinha, enquanto bebia taças dos fantasmas que ainda passavam pela sua cabeça - a troca de olhares do outro lado do jardim, ainda vívida em sua mente - resolveu não matá-lo, não com facas ou armas, mataria-o de prazer, afogaria a alma dele nela inteira, haveria de se tornar o pesadelo que o levantaria pela noite, a referência para todas as outras que ele usasse como fuga, como rápido consolo.

Pensou e repensou a questão, estava doida por algo que não queria realmente. Não assim enlouquecidamente envolvida, estava ali de pé com os dedos nos lábios úmidos e notou que a hora do almoço estava muito distante. Cedo demais para logo confrontar esses pensamentos doentios que vêm pela manhã.

Voltou para cama e só saiu de lá devidamente saciada; domada por si mesma.