6 de outubro de 2008

Da capo em Vermelho

As largas e confortáveis poltronas da platéia vazia traziam-lhe segurança, via do palco o mundo subjugado, abaixo da sua perfomance, mesmo que fosse ruim, afinal nada havia, e acreditar na inferioridade do vazio é valorizar-se, é crer estar acima da luz ou da escuridão.

Mas estava sob holofotes secos e rígidos que zuniam baixo, dando chance à nuvem de poeira de se fazer presente no ato conforme a dança do ar; não temia o pó, estava era se intrometendo num reino não seu ao se isolar no pequeno teatro vazio. Reinavam as coisas, o piano, os cenários, as cordas e o pó. Não se faz nada em um teatro sem pó. Pés e figurinos devem ficar sujos, e no público deve existir, bem perto do palco, o alérgico.

Ouvia os acordes pelos fones, mas não os sentia, apenas levemente, em vibrações fracas. Se houvesse alguém para tocar o piano sentiria as notas vivas no peito e no chão. Frustou-se após os primeiros minutos levando um rubor encarnado na face pelo esforço e também pela raiva. Raiva do da capo, o inevitável recomeço; tinha executado os passos certos, faltava encontrar a música sem acompanhá-la, fazer um único compasso sem precisar das notas, movia-se em desencontro imperceptível. A exigência da perfeição vinha do couro vermelho das cadeiras, completamente vazias.

Não as enxergava assim. Ficava entre uma visão romântica, quando encontrava o foco e a sincronia, e uma tenebrosa imagem de pesadelo, onde as cores avivavam-se e a música alcançava um ritmo vertiginoso, então caía e praguejava. Da capo.

Chegou à exaustão e nada podia detê-lo naquele momento. Retirou os fones. Faria tudo uma única vez sem a música, sem nada, só.

Ao relaxar o corpo e realizar por completo o exercício, o ensaio pretendido, sabia que enfim estava pronto; até a data da apresentação tudo parecia um intervalo muito grande de coisas inconcluídas, sua obsessão artística ficava clara, e entre aquele que suava nas tardes de platéia vazia e o invejável dançarino sorridente ao final de suas apresentações, havia ainda um homem pleno e conhecedor de si mesmo.

A insegurança sempre existiria, era natural do ser; viver requer mais que os simples caprichos de quando ainda não se é autodidata na vida, assim pensava, assim condicionava aquele período da sua vida.

Aprendera isso, tentar novamente as coisas com uma nova confiança, atrás de grossas cortinas vermelhas, diante do som e do vazio; da capo, até que os sonhos e a realidade se unissem numa única nota e nada pudesse detê-lo.

2 comentários:

hxaxa disse...

insegurança...
não é só uma palavra que me amedronta mas toda sua atmosfera de não me preparar para o inevitável!
Maldita insegurança que me permeia!
...
ótimo texto(só para constar)

Unknown disse...

deeeveee tá enlouqqueecido mesmo [!]