15 de janeiro de 2009

ao desejo

Assim ela escreveu:

Querido,

as flores do último verão, aquelas que você me enviou, ainda vivem; vivem como eu. De uma mentira, pois no final de cada semana compro novas flores idênticas e com elas sua presença ausente; você só no meu desejo.
e hoje acordei sem memórias suas. Só me dei conta quando fui invadida pelo seu rosto naquela fotografia velha dentro do livro perfumado com seu cheiro; a saudade não foi triste, foi um sopro entre meus atos cotidianos, minha vida em meio ao verão.

(por um breve momento ela sorriu e, como se exigisse uma nova ideia ao respirar, os ventos sopram-lhe as folhas de papel e o cabelo, trazendo também um novo fôlego...)

A verdade, meu bem, é que me despeço do nosso jogo íntimo da distância. À mim pouco importa a máscara que carregas, se é que esta também já não se consumiu em meio ao assédio das figuras que te acompanham; se me visse novamente, quero dizer, como sei que vai me ver, irá me encarar como novidade, como se seus olhos tivessem perdido a cor azul-grafite do seu ego. E então, sua vontade, enfim, será minha.

...

10 de janeiro de 2009

Monólogo das Três Vozes em meio ao Silêncio

Simplifique para mim toda voz, pois meu silêncio, nesta vida, não me permite dizer coisas importantes.
Simplifique para mim seus valores máximos, pois amor e coragem são tão imensos que, quando entram na gente, fazem tudo parecer mais fácil. Mas não é.
E quando tentam arrancar-nos essas estranhas forças, ai de nós! Vaza sal e água e é só dor, só dor;

Eis aqui, meus grandes outros, um pouco de aflição e aviso logo que reclamo muito desta coisa chata que é o pensamento. Não me deixa dormir, não me deixa falar o que quero e ainda por cima tem uma 'mãe' que vive com o chinelo na mão, chamada consciência.

Falo demais.
E faço isso porque se não fica tudo aqui dentro moendo, gemendo, gritando sem som algum.
A cabeça da gente é como o Espaço. Não tem barulho e é tudo preto pontilhado de luz. É por isso que dizem eu vivo com a cabeça em outro mundo, nas estrelas, nas nuvens. Eu vivo decorando meus desejos, minhas saudades. Já senti saudade que não doeu. Achei que era outra coisa, saudade em mim sempre doeu. Mas essa foi boa, foi gostosa, igual quando ficamos ao lado de alguém que a gente quer bem. Eu não falo nada, só olho, fico só imaginando todo mundo, porque não precisa ser só uma pessoa, debaixo do Sol e rindo. Rindo de rir. Igual cócega na palma da mão.

As coisas são assim: muito tristes ou muito alegres. Mas e eu? Eu sou uma louca paixão. Amo e odeio demais. Foi assim que concluí. Um diabo angelical ou um anjo endiabrado. Besteira! Sou meu próprio desejo. E desejo não é bom nem ruim. É desejo. Desse jeito posso desejar o que eu quiser, é de graça.
Termino sempre falando de mim, mas até que falei pouco. Eu sou gente, e gente gosta de falar de gente. É por isso que gosto de falar dos outros, dos grandes e dos pequenos. Dos meus. Não importa o tamanho.

Mentira.

Importa sim. Porque se é grande ocupa mais o Espaço, brilha mais, e fica rodando na nossa cabeça sem parar.
Pior é quando tromba com alguma coisa. Com um pensamento fantasioso, daí é sentimento. E o sentimento sai feito louco trombando em tudo. Que nem dominó, castelo de carta, quando a gente nota já foi, já aconteceu.

(...)

É quando queremos fugir, sair da cidade, da clausura do próprio reino de concreto e objetos; reinamos para pilhas de roupas e livros, sou assim. Um rei absoluto no silencioso parlamento dos meus autores favoritos. Todos ao nosso favor quando queremos mais sentido, mais voz no discurso diário nada original; Mas eu os enfrento. Nos meus sonhos não quero ganhar ou perder, apenas ser como os outros 'meus' tão admiráveis, tão tediosamente amáveis em minhas palavras.

Falo demais;
porque minha história é curta e preciso prolongá-la com as histórias dos outros. É como se vive: cada um é um monte de vida alheia.

(...)

Preciso ainda dizer que me apaixono demais. E quando a gente chega e diz: estou apaixonado; encarar não é fácil. Tanto para quem é correspondido ou não. São altos os preços emocionais. E quem investe demais, se fere demais; no final diz que é bobagem, vive para si.

Vivo esse medo: viver só para mim e acreditar que a vida é algo que acontece independentemente da minha vontade ou desejo; principalmente, das minhas interpretações dadas à ela. Seria um desvio tolo acreditar nisso, mas nem sempre conseguimos manter o foco quando observamos uma borboleta.
Fico muito sério em minhas palavras com o tempo; busco o que ainda há para ser dito e tudo parece complicado demais.

Deve-se simplificar. Às vezes é detestável simplificar um raciocínio. Pode ficar tosco. No entanto, minha simplicidade busca por um outro significado.

É engraçado perceber como nos encontramos no sonoro silêncio de uma turba. Como um quadro, permanecemos com uma única expressão, enquanto explodem cor e escuridão à nossa volta. E a única voz que ouvimos é a nossa. A voz de um ego faminto, de uma consciência que nos impôe felicidade ou sofrimento. Mas e quando não queremos nem o bom, nem o ruim? Se o mal que nos afeta da pior maneira somos nós mesmos, como não nos odiarmos?

Eu creio no equilíbrio. O reflexo não é amigo nem inimigo.

Sendo assim, descubro em solilóquios, como outros também descobrirão, que na ausência da interpretação, sem todas aquelas atormentadas diretrizes que ditam o ser ou não ser, há um riso pleno que expressa uma infantil honestidade já perdida. Mas sempre em tempo de ser reencontrada.