24 de maio de 2009

Inquietos

Deixou-se acordar aos poucos; vivera uma realidade recente, daquelas que são como sonhos intrigantes e bons, mas amedontradores ao final.  (o pé esbarrou num copo d'água, ninguém se importaria)
Havia um peso em seus olhos, mas não provocado por sono. Um gosto de cobre à boca entreaberta, preparada para um suspiro, que veio sôfrego fazendo-o sentar-se novamente. 
Era uma manhã peçonhenta, um dia facilmente rotulável de lindo, mas que escondia nos solitários uma estranha ausência, por vezes vinda da noite anterior, e sempre atribuída aos afetos. Quer fosse a mãe, para os pequenos, ou o amante para os jovens inquietos em seus quartos descombinados. Para ele não era uma coisa nem outra, sentia uma falta, egoísta, de si, antes de culpar as figuras alheias.

Neste momento, outro também levanta-se de olhos bem abertos, e ao sair da posição emborcada, sentiu as palavras não ditas moverem-se dentro da garganta, como uma rolha que boia dentro da garrafa de vinho. É um gargalo estreito o dos sentimentos. Teme-se muito mais do que se ama; poucos conseguem manejar esta válvula que é o coração junto com o cérebro e a língua. Um sibilo, uma lágrima, um olhar, podem ser interpretados e lançados de diferentes maneiras.
Relembrou e defendeu sua atitude inexpressiva quando viu-se no espelho e secou o rosto com uma toalha já úmida. Precisou ficar sozinho, avaliaria o passo dado sem fomentar segurança, pois não se sentia seguro. Ainda que isso gerasse um desconforto doloroso ao outro, e sabia muito bem que isso aconteceria, não poderia ter feito outra coisa.

O primeiro não respirava. Engolia faminto o ar pela boca em busca de lucidez, ou minutos de traquilidade, mas ainda passaria por um estado de tempestade, sozinho, após um tempo debaixo do Sol morno. Pensaria melhor quando a tarde chegasse ao fim.

Ambos carregavam um brilho nos olhos, de choro ou dúvida, e desafogaram-se na distração vaga do lazer, retirando assim o foco do desassossego. Foi quando aprenderam a ter calma e, talvez, mais cuidado com as doses de incerteza e silêncio.

8 de maio de 2009

Areia

Deitou-se na areia quente, esgotado pelo tédio, animalizado, viu-se tal qual um leão, uma fera impaciente, um jovem à espreita dos próprios pensamentos. Assim, jogado entre toda a natureza que explode perto do fim do dia, o Sol lhe sorria. Sua retribuição era um orgulho fechado, oco, facilmente despedaçável se soubessem como atirá-lo contra as convicções humanas, aos erros que todos cometem, e principalmente ao julgamento dos olhos, tão insensato e impuro.

Torcia e lutava por um amor claro e franco entre as partes. Vivia diariamente uma constante tentativa de controle do ego, resguardou-se com vários espelhos mentais, buscando em todos algo que lhe fosse semelhante e ruim, sentiria-se desta maneira dentro do conjunto vivo e óbvio da juventude que trazia no rosto, mas não nos sentimentos. Calou internamente sua voz por alguns momentos, observava o silêncio do vento entre as coisas, e por fim, julgou-se, uma, duas, diversas vezes até que sentisse cada frase como uma trombeta numa orquestra de palavras e ideias todas insultando umas às outras, tentando fazê-lo agir, correr, se possível, não o ato literal, mas fugir de si antes de engolir-se e sufocar. 
Tudo era no final uma bobagem, um escândalo abstrato desnecessário; armando-se contra si como podia, levantou-se e olhou o horizonte. Amava, ótimo. Odiava-se no papel imbecil e vazio de importar-se com a opinião dos outros, mas esta era uma outra situação que também lhe incomodava no momento, uma pública e clara; e mentirosa, mentia cegamente aos outros porque todos o fazem. 

Um riso fez com que o Sol ficasse tímido e brilhasse menos, o azul tornou-se um pouco aguado, e olhando para trás em busca do outro presente, perdeu em boa hora o novelo disforme que juntava no consciente.

- Que fazes aí parado olhando para o nada?
- Não é o nada, veja.

O outro então percebeu que o horizonte ganhava um destaque especial. O Sol fazia seu último agradecimento efeverscendo o mar em laranja. E o céu coloriu-se de um azul denso, daquele impossível de se achar em caixas de lápis de cor.

- Sensacional. Mas no que estavas pensando vendo tudo isso?
- Ora, no que o horizonte tem para mostrar de mais belo e assustador: o futuro de um passado muito próximo.