23 de julho de 2013

Rosário

Rosário,

Foram suas mãos e seus cuidados que fizeram do jardim o pequeno palco de vida e expectativa onde pequenos pássaros e insetos fazem corte à natureza. Sua presença está em cada broto, flor e alegria desta visão que me acompanha todos os dias. É possível que eu encare o jardim como um lar, enfim. Lar: um conceito delicado e transparente. Lembro perfeitamente das nossas discussões homéricas de apenas dois minutos sobre como as coisas são difíceis de serem ditas com as palavras que acabamos usando, nós nunca chegamos à conclusão se os alemães levavam a melhor nisso por terem a definição perfeitamente construída para cada bizarra sensação que alguém é capaz de sentir - nós nunca soubemos nem mesmo isso, afinal. Mil dias, Rosário. Foi o que durou. Se há alguém ou algo capaz de controlar o destino das coisas como se fossem fios a correr emaranhados, é certo dizer então que a razão suaviza muito das nossas perdas acidentais e - para nós - inexplicáveis. Mas nosso caso não foi um acidente, não foi?

Acho errado algumas pessoas afirmarem que o que foi nosso permaneceu inacabado: eu não sei bem posicionar o início de tudo, venho esquecendo - inclusive - todo aquele meu longo discurso decoradinho, a história, o romance; os fatos ficaram maiores do que a própria história. Meu ponto é: tenho me perguntado o que fazer com isso: o jardim e você. Todos me dizem que é a minha velha preocupação com a forma das coisas, a matemática caótica que eu uso para compreender o mundo. Estão todos errados, você sabe. (ou saberia); não há lógica nesta vidraça imensa que está diante das minhas memórias. Não é como deixar um peixe morrer no aquário e simplesmente ir até a loja e substituí-lo por outro igual no mesmo aquário: nunca será o mesmo peixe - qualquer um poderia afirmar - mas o crucial, o mais difícil e que demora a escoar pelo ralo é: nunca mais será o mesmo aquário.


Não há qualquer dramatismo lá fora, Rosário. O jardim está vivo, robusto, intenso: repleto. Mas muda a si mesmo a cada dia, e sua sombra, seus arames para fixar orquídeas aqui e ali, escondem-se por trás do tempo das cascas das árvores, das folhas defuntas, das gerações milenares de formigas.


Talvez haja uma polemologia do afeto que demonstre como mesmo aquilo que é único - uma paixão, uma estrela no céu - é inevitavelmente menor, por definição, que a nossa própria existência. É a medida que nos constrói: duros ou flexíveis; rotos ou resistentes. Sugiro aqui, portanto, que o egoísmo e a vaidade são escolhas, e o pecado não está em escolhê-las, mas em permanecer consciente e cego diante das consequências.

Me desculpe, eu não deveria ter ido tão longe. Um dia espero ter a chance de lhe explicar como tudo isso é importante para mim.


D.

Um comentário:

Luise B. disse...

Ai, Julio, você escreve tão lindo. :~