27 de abril de 2007

Tardes

As tardes de vento no rosto, os rostos quietos observam a grama estática, imóvel, sob o Sol da tarde. Simples tarde, onde amigos e amantes se encontram em total êxtase, desligados dos momentos corretos, das suposições e dos problemas. Tardes mornas que nos fazem desejar o impróprio, o promíscuo, ou apenas o riso. Tardes mornas que descem dançando com a luz enviesada, girando junto com o povo, o povo que desce aos montes, hipnotizado, de olhos abertos para a mente.
Tardes de banho de Sol, de calor, de satisfação pessoal, de delírios criativos, entupidas de sono infantil, recheadas de brotos que estalam, escassas frutas no pé, chuvas esparsas, chuvas fortes, raios ou nuvens.
Tardes de espaço, vem com preguiça, com lençol, com sorvete de creme e pensamentos lá longe. Telefonemas, mensagens, nada... o mundo não presta atenção, o mundo apenas observa, tardes de espera, de fim de expediente, de sapatos na escada, dos jeans no quarto. Sem pudor, sem educação, sem conversas sérias, nas tardes tudo é de pouco valor, o abstrato completa, nas folhas que rodopiam, no semáforo vermelho, no suor das ladeiras.
Os lápis de cor, os gatos cor de caramelo, as janelas abertas, borboletas nas flores, os parques repletos de viço e repletos de suspiros, de gente, de bicho, de coisa qualquer.
Tardes transpiram, derretem, amaciam, voam, mentem, tomam café ou chá gelado, aguardam, se arrastam ou correm, apenas passam, mas absorvem a gente. Olhares, abraços, cumprimentos, beijos, bolos de aveia, piscinas preenchidas de luz, quentes em cima, mornas no meio, surpreendentemente frias no fim. Sofás coloridos, mesas de vidro, pilhas de CD e livros lidos, jornais velhos, revistas de ontem, sacolas plásticas, e também chaveiros, chinelos, silêncio. Segredos individuais, fofocas, revelações, fotografias, histórias dos outros, de muitos ou poucos, aleatoriedades, previsões meteorológicas, loucuras, sussurros e gritos. Buzinas e bocejos, trabalhos de grupo, diários, canetas, e é claro, monitores e teclados.

Com música elas logo se vão, cansadas, desgastadas, de laranja ou de cinza-azulado, aos poucos, deixam desejos, deixam marcas, cores, carinhos, sonhos e sorrisos no canto da boca. Elas vão saindo, logo viram na esquina, e nada mais resta das tardes, exceto a imortalidade.
Imagem: "Afternoon Walk" de Irene Brownjohn

25 de abril de 2007

Medo


É sim um assunto complexo. Não desejamos, não entendemos, apenas cultivamos de maneira irracional. O medo. Os medos.
Eles podem ser grandes, pequenos, claros, escuros, internos, externos, secretos, públicos, concebíveis, inconcebíveis às vezes, talvez, mas eles são estranhos, muito estranhos.
Nunca vi ninguém não reconhecer o medo. As pessoas podem se perder ao dizer que estão com raiva, que estão apaixonadas, nervosas, ansiosas, felizes, nós damos vários sub-significados à essas palavras. O medo é imediatamente reconhecido, nós não negamos o medo, nós fazemos questão de compartilhá-lo em busca de conforto, em busca de apoio e até mesmo de uma forma egoísta esperamos que a pessoa ou fique com medo como nós, ou não sinta medo nenhum e faça com que encaremos o bicho-papão.
O possível é feito para se compreender, nós damos nomes as coisas para tentarmos entendê-las de maneira rápida, direta. Fobias, angústias, pressentimento, são tantas maneiras de se dizer.
Temos medo das coisas, das pessoas, das situações, dos sentimentos, do que vemos, do que não vemos, do que nos persegue, do que nos deixa para trás, da morte. Temos medo de sentir medo, de estar com medo, de ficar com medo, de depender de um medo.
O medo nos atrasa, nos arrasta para os instintos antiquados, nos arrepia, nos faz tremer. Só gostamos quando sabemos o limite da dose, quando não há futuro para o medo presente, mas há sempre a dúvida, os questionamentos, sobre o medo.
Ele nos faz lembrar de outros medos, nos conduz de maneira errada, pensamos no pior, se torna terrivelmente irresistível, nos entregamos facilmente, choramos, desejamos o fim, arranhamos, gritamos, e nada nos responde. Nada está ao nosso lado. Ele nos consome, toma forma, toma o controle, nos acerta no peito e devasta todas as opções, todas as escolhas, todas as razões.
O medo.
Imagem: "Conscience" de Maria Burd

16 de abril de 2007

Evidências (no Carrossel)


A vida é feita de fatos, histórias, certas, erradas, mentirosas e verdadeiras. A vida se resume a um carrossel. A vida é nada mais que uma condição imposta, um favor talvez, um merecimento.
Evidências são coisas que comprovam a vida, a morte, qualquer coisa. Evidências são pontos de luz nos fatos, são ratos em bibliotecas, são vaga-lumes na escuridão. Evidências surgem, escorrem e transbordam das dimensões que enxergamos, elas comprovam a nossa existência. Elas comprovam que o buraco na parede é, antes de mais nada, um buraco na parede e posteriormente uma evidência de alguma coisa.
Nos mostram a realidade que devemos presenciar, mas não nos mostram a verdade. A verdade das coisas é dada por nós. Evidências são perguntas cretinas, chaves de um enigma e são representadas em nós pelo arquear de uma sobrancelha (ou duas), pela emoção discreta, pelo aumento da pupila.
No carrossel elas dizem que só podemos ir para frente, nós fazem acreditar nisso, mas muitas vezes vamos para trás e com muita gente do nosso lado. Nos distraímos com luzes, música, altos e baixos, o carrossel é sim uma droga infantil, um vício adorável. Desejamos cada vez mais o circular interminável, o riso descontrolado, o medo de cair nos parece simplesmente perfeito.