28 de novembro de 2007

O Colecionador de Tempestades

Várias vezes perguntaram-lhe o que havia; o que havia detrás da porta dos fundos, o que eram aqueles tremores leves e os estalos longos? Ele não respondia. Irritava-se, mandava todos embora, olhava para porta amaldiçoando-a.
Foi a menina que o seguiu, num daqueles dias cinzas, e como já estava bem velho não percebeu a pequena presença.
Ela escondida por arbustos e pelo som do vento, apenas viu o que nunca imaginara, o velho abriu os braços para a tempestade, como um louco, e de forma insana ordenou que se calasse e viesse sem demora. Imediatamente o céu rodou, gemeu grosso e espiralou para as mãos do homem, virando uma única forma concentrada e tempestuosa. Ele engoliu aquilo como se fosse normal e foi-se para casa.
A menina atordoada, só continuou por impulso, queria entender até o fim e só conseguiria isso arriscando. Viu-o abrindo a porta sempre fechada, e lá dentro só havia luz súbita e escuridão plena, sentiu todos os medos num só e tapou a boca para não gritar, pois quem gritou foi o velho em voz de trovão, vomitando vapor cinza e faíscas lá dentro.
Ela tentou correr, mas não conseguiu, sabia que deveria ficar ali, apesar de não querer. Ele veio e lhe disse: "sabes agora o que sou, conheces a minha glória e o meu infortúnio, és então abençoada e amaldiçoada, pois quando chegar a minha hora ela também será a sua."
E toda vez que os céus cobrem-se de cinza, a menina acalma os outros dizendo que a tempestade sempre termina.

16 de novembro de 2007

Aniversaria

Em algum lugar, alguém faz aniversário
Aniversaria como for, em qualquer lugar
Algum dia, em breve, o seu chegará

Aniversários são coloridos, são bonitos
Tanto o novo quanto o velho
Aniversaria como for, em qualquer lugar

Invejam as flores o seu dia
Cresça um pouco, sorria mais
Esqueça a sorte e o azar

Aniversaria como for, em qualquer lugar
Não esqueça de ninguém, chame a todos
Dê risinhos, suje o rosto

E se um dia estiveres longe
Longe demais para me ouvir cantar
Aniversaria como for, em qualquer lugar

12 de novembro de 2007

Mergulho

Pensou que poderia controlar tudo. Acreditou nas próprias palavras durante anos, e sempre se encontrava no mesmo remorso, numa baixa auto-estima súbita após um grande momento de descontração, ou uma explosão de felicidade. Afinal, o que era aquilo?
Dedicou-se à solidão, mergulhou em todos os aspectos profundos até onde o próprio conhecimento permitia, e cada lembrança arrancada, naquelas horas em que tudo parecia se repetir, era trabalhada, estivesse ele pronto ou não.
Queria encontrar, saber e entender até onde aquilo o dominava, até onde sua personalidade conhecida e pública deixava a corrente do descontrole ir.
Beirou a piscina, límpida, o máximo do silêncio maleável, a prova que precisava, o pensamento frequente. E exatamente como seus picos emocionais, atirou-se soltando todo o ar que podia, toda a coerência química para o cérebro, no escuro encontraria, no limite estava a resposta.
O ponto sem retorno estava próximo, sentia com clareza, arrastava-se pelo fundo enquanto o raciocínio e as cores sumiam, desbotavam velozmente, mais rápido do que previra.
Não obteve resposta para a pergunta, nenhum sinal, nada, mas foi o fracasso que o impulsionou para a superfície e após toda a dor e retorno da consciência, compreendeu.

1 de novembro de 2007

Conspiração Divina | final alternativo

Subiu a escada antecipando a vitória, finalmente o teria nas mãos, agarraria-o em casa depois de largar as roupas e os sapatos no chão do quarto, colocaria aquele jeans velho e entraria debaixo das cobertas antes de começar a leitura tão esperada. Estava certa quanto ao fato e conseguiu o livro ali no meio do cheiro de madeira velha e papel, sorriu para o dono, o velho judeu de nome difícil, e foi-se novamente pela escada.
A chuva não mais caía lá fora, fazendo-a sentir-se melhor ainda, sortuda, afortunada pelo destino. Pensou no domingo, se fizesse sol... poderia ficar lá queimando, como mais um merecimento pelo simples fato de existir.
Mortais é claro, completam seu sofrimento da melhor maneira, mas ela não, ela esquecia da regra básica.
Os deuses não tiveram que fazer muito esforço, estava tão absorta por algo tão pequeno e egoísta que o caminhão a derrubou em cheio, sobrando apenas um livro longe e um sorriso leve.