16 de julho de 2008

No espreguiçar da tarde

Todas as tardes de Sol sob as sombras caseiras; viva e viçosa, era parte do ambiente, suava aos poucos e em delicadas gotas enquanto respirava, devorava os livros e os sons, mas que dias! Julgava-se superior e bela só por não estar sob olhos, causava estranheza o excesso das ruas, mas ali largada e sendo ela mesma sem qualquer casca-fantasia, com a mente completa, aberta e nua diante das próprias reflexões.

Um frio subiu-lhe a espinha, apaixonara-se muitas vezes, e pensava nesses casos e platonices, como adorava relembrar dos sabores, das bocas macias e coladas, tais múltiplas memórias lhe queimavam a testa, eram desejos e rostos; segredos pessoais.

Espreguiçou e agarrou-se no próprio abraço, e vinham chamas de longe, agora fazia comparações e hipóteses, como deixara uns e outros de lado, o sofrimento alheio, o seu. Seguiu além, para antes, dias de tédio, o vazio sem paixões, aquela sua vida marcada de alguma maneira esquecida, resumia-se aos delírios solitários, quando o narcisismo era seu único grande amor. Mas não era? Hoje ainda, não estava divagando exatamente naquele momento, a vadiar solitária em busca de uma história já codificada e engavetada, salvando apenas os apogeus dos anos ou meses?

Calou a voz da consciência. Conhecia bem onde este rumo de idéias a levaria, a um cadafalso plantado em meio às imagens belas que recordava, o outro lado do espelho das pessoas que conhecera, naufragaria numa tormenta embaralhada; sua natureza, um sistema de segurança, o alto nível de cores e satisfações egocêntricas, ou até mesmo o calor dos sentimentos, eram a senha para o início das desilusões.

Logo todas as leves enaltações eram ceifadas pela crua e cruel verdade. Diminuiria-se ali em meio ao foguento do jardim, o Sol desceria, calariam-se os pássaros, perceberia que tudo se rejuvenescia eternamente à sua volta, menos ela, estava condenada a viver em sacrifício para que tudo existisse depois dela, e depois de depois dela.

Segura, reabriu o livro e sorriu ao ler um pouco adiante as seguintes palavras: "Amava o acaso, pois ele é quem sempre bate à porta com uma novidade, uma vontade instantânea, um gentil gesto ou surpresa lotada de todo o sorriso para os próximos momentos de uma vida qualquer..."

3 comentários:

Anônimo disse...

O acaso muda os sonhos, os projetos, os destinos, os caminhos que traçamos, e nos convida a rir ou chorar.

moa disse...

É impressionante como você me conhece tão bem. Rs, brinks. Cada vez melhor hein. Eu acho que você devia seguir meu conselho.

Jana Cambuí disse...

MUITO BOM. Ao ler (e reler), senti que cada palavra foi colocada em seu devido lugar, cada sentimento foi exposto no ritmo certo. Teu texto ficou mesmo uma beleza.
Além disso, da construção bem-feita da crônica, gostei muito do momento criado para a personagem leitora. Não sei porque, me fez lembrar uma outra personagem de "Se Um Viajante Numa Noite de Inverno", do Calvino.