1 de fevereiro de 2009

Augusto

Não era o vazio da fruteira, um claro sinal que sua manhãs andavam menos coerentes, ou o cochicho dos quadros espalhados pela casa que perturbavam o raciocínio de Augusto. Era ele próprio em suas armadilhas emocionais. Envolvia-se num suspense, temia elucidar as coisas e estragar a surpresa dos momentos e por isso não mais vivia.Trancado, ausente, não de maneira física, da vida cotidiana enquanto a casa mofava pelos cantos e dentro dos armários. Ele era o próprio reflexo no espelho o tempo todo; buscava a si nos olhos alheios, porque a natureza do outro exigia preconceitos e longas frases mentais.

Noite e dia logo misturaram-se. Dormir tornou-se impossível, drogar-se para isso o condenaria à incertezas no dia seguinte e, talvez, à dor. Não fazia exigências, não desejava fatos ou esses sonhos egoístas e completamente inalcançáveis. Tinha objetivos claros e curtos, e o caminho para se chegar até eles estava todo marcado, exposto como uma ferrovia em meio ao nada.

Augusto não compreendia que seus esforços eram inúteis. E mesmo que chegasse à tal conclusão, descartaria do rol de culpados Deus e qualquer infeliz ente da sociedade. Só depois de destruir sua autoimagem e suas expectativas, afundaria-se em um desespero de insatisfação e culpa. Julgaria o ato de morrer desta maneira, vazia e sem sentido, como incompetência exclusivamente sua.

Jamais chegaria a isso. Algo decidira por ele seu destino: nem morrer, nem viver; sua consciência foi levada à uma única lembrança eterna de uma tarde morna na praia, e seu corpo perdeu com o tempo a capacidade de resposta voluntária.

A areia era absolutamente clara e o vento cantava em segunda voz a canção do quebra-mar.

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