21 de junho de 2009

Inverno

Não mais sentia o desespero de antes. Nem amava como antes, porque agora o que colocava à prova não era o seu amor, mas o seu cuidado, o seu carinho. E quanto a isso não tinha dúvidas de que estava no caminho certo. Mas entristecia pela manhã, ao final da tarde, e percorria as horas do dia com uma vontade louca de encontrá-lo, e de viver com ele e de acordar ao seu lado; agora, amanhã e depois. Mas estas promessas, ditas no seio do desespero, quando alguém hesita sobre a perda de outrem, são mais leves depois de algum tempo, e perdem seu significado com o passar dos dias, por isso devem ser ditas sempre que a vontade se fizer presente.

Sentiu frio, e com o frio veio uma estranha solidão, como se não encontrasse a si nas coisas, nos objetos pessoais, nem reconheceu a própria letra, era outra e ainda assim era ela. Tinha que terminar com aquilo, com aquela indecisão entre amar ou não, entre amar na distância, na certeza da desistência, ou seja, na fuga, ou simplesmente viver o amor plenamente, mas ele não conseguiria. E à cada passo dado, lentamente, rumo ao conjunto, ao afeto, sentia-se mais distante, mais racional, mais amada, porém menos amante. Se tivesse caído, perdida de paixão, por outro, teria escolhas, teria arrependimentos e uma decisão clara à sua frente, mas nada disso, tudo o que tinha era um amor exaustivo, uma paixão consumidora de sono, feliz e infeliz, dúbia e secreta; e por ele faria qualquer coisa, mesmo que não demandada, correria e apareceria na porta, cheia de sorrisos, repleta de novos carinhos, e novas frases ao pé do ouvido.

Mas a esperança humana é como o inseto verde que carrega o mesmo nome: frágil e débil. E a sua não escapava do padrão. Os dias tornaram-se viáveis, a dor tornava-se cada vez mais suportável e a ausência, o avanço a passos lentos, tudo isso acomodou-se num canto imaginário, em que era possível admirar e cuidar, mas com desleixo, até que sumisse ou fosse consumido pelo resto das coisas importantes da vida; as coisas que julgamos importantes: a opinião alheia, a família, a nossa moral e nossos encontros de sábado.

Viu claramente que prioridade ela não era, tampouco seria pelos próximos tempos, se aguentasse e esperasse, se sobrevivesse.
Juntou suas coisas numa mala pequena, rodou pela casa uma última vez, não deixaria bilhetes ou explicações, tudo já tinha sido deixado claro até demais. Sorriu um daqueles sorrisos sofridos, que desejam apenas uma incerteza, um pedido para que fique, mas nada disso veio e as horas passaram; ela se foi. A casa ficou vazia, lotada de lembranças, e nada mais.

Ele nada fez ou disse ao chegar, porque percebeu que com o frio do inverno, veio também o tempo de questionar as coisas mais duras da vida. As coisas sobre as quais o amor sempre fenece e decide não viver.

Um comentário:

Anônimo disse...

Seus textos são cada vez mais interessantes e comoventes.Gosto de como cria definições sobre sentimentos, comportamentos e ações. A poesia impulso está ótima. Vc traz dentro de si a alma sensível que torna possível perceber o ser humano em seus momentos de dor, alegria, dúvidas, anseios, e descrevê-los de forma a nos fazer sentir o quanto somos os mesmos apesar de tão diversos. Faz bem a alma, ao coração, lê-lo. Muito bom.