6 de agosto de 2009

Frágil

Às vezes a borda de uma xícara de café assemelha-se aos lábios quentes de um outro. E este desejo, fruto de um desespero silencioso, era ainda mais denso agora, enquanto ele não só admirava a xícara, como a luz refletida na superfície negra; poço negro, a imagem da sua própria consciência naquele instante. Sorveu o desejo ao mesmo tempo que o pensamento, ambos deliciosamente amargos, porque não havia dor, sofrimento como dizem, mas um certo prazer envolvente, trazido pela indiferença do ego. Estava lá, ele, a xícara, e uma expressão de pouco caso ainda quente na garganta.

'Fo-da-se' murmurou baixo cada sílaba, para então sorrir, quase deixando derramar café sobre os inúmeros papéis, nenhum importante, é verdade, mas vitais para a organização de um homem desorganizado.

Lambuzou-se sem querer, e cometeu o reflexo de limpar a boca com a própria língua, fechando os olhos, induzido pela própria vontade à armadilha das lembranças; cilada da paixão. Engoliu o resto de café antes de ser levado à cavalo pelas palavras, e sacudiu-se para ir até a cozinha - lugar este onde todos nós deslizamos internamente para a moenda de nossos monólogos, a cozinha é definitivamente o melhor lugar para a punheta mental - deixando assim a xícara sobre o balcão, rindo ainda por imaginá-la como uma arma que acabara de usar para matar o tédio, tendo o tiro atingido qualquer lugar perto do orgulho que carregava nos minutos anteriores de engatilhá-la.

Ainda entre a sala e o escritório, esqueceu o que pensava, e seguiu, apenas ligeiramente desanimado, mas para o quarto.
Foi entre um sonho e outro, enquanto ouvia um sibilo que dizia-lhe que amar demais causa fissuras ao coração, que a xícara, última de um par colorido que comprara há tempos, trincou vazia, e solitária, na madrugada.

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