31 de outubro de 2009

Enquanto

Estava atado então por regras ordinárias, frias, trançadas envolta dos laços do afeto, esmagando-o pouco a pouco, e à cada vez que se sentia mais livre, sentia mais medo e assim prendia-se mais ao descaso.

Nunca revelara que amara alguém, pois não sabia de fato se tinha encontrado este sentimento. Vivenciá-lo era profundamente perturbador, estranho demais, não se enxergava livre para sentir isso antes, não se permitiria agora. Antes, pensara, como agora, não queria limitar-se, definir-se. Não aclamaria algo que não estava certo de que poderia amar e cuidar; por duas vezes tentou e falhou. Agora, vivia um intenso desacordo de ideias, apresentado pela mesma condição de declarar-se sim, apaixonado como estava, mas fora das regras demais do seu papel, do que gostaria e desejava para si quando nem ao menos pensava sobre o que era o amor, mas apenas sua representação mais óbvia: uma família silenciosa, que projetava para o mundo não mais do que os momentos simples, calando-se diante dos próprios temores, que nada tinham a ver com esses preconceitos sociais existentes, pouco importava a opinião alheia ou a dos entes internos, mas desconhecer as vontades e os anseios dos iguais ali dentro das seguras paredes familiares, era o maior medo que poderiam enfrentar.

Não chorava, pois seria demonstração de fraqueza, ou não chorava pois não conseguia saber se havia motivo para tanto, se era justo. Com ele, com certeza não era.

Fugia por sentir-se amado, e temia ferir o outro. Temia cair na tentação de ser como todos são quando finalmente compartilham com alguém algo que mostra as faces absolutas da alegria e da tristeza.

E por temer ou não entender, não viveria. Nem ele, nem o outro. Não estavam, como diriam por aí, distraídos em confidências conjuntas, esquecendo de todas as outras coisas. Portanto, não tinham o que desesperadamente necessitavam; um não conseguia livrar-se de si e o outro não conseguia parar de tentar entender isso. Ambos preocupados demais em tentar descobrir o que eram, e além, o que seriam.

Não se tratava de coragem, nem da vontade humana. Muito menos de um milagre. Esperava-se algo, ou alguém. Um estalo, ou nada.

12 de outubro de 2009

Outubro

Dias nem tão claros e nem tão escuros percorriam sua mente, não estava, no entanto, perdido ou desconcentrado; Olavo, um silêncio. Sorria sim, todos percebiam, mas apenas à tarde, quando já não estava tão quente, e as cores são tão mais admiráveis, e os sons tornam-se zumbidos confusos, muitos pássaros, gente falando alto, pedras debaixo da roda, e Olavo à deslizar entre os atos, ora amante, ora amado, não mais hesitante.

E quando pôde, atirou-se fatigado ao sofá, com o céu cobrindo-se de cinza ao pensar inquieto, e rompendo em branco quando distraído. Ali, dormiu um sono merecido que demorou até o início da noite.

Olavo percebera àquela hora que tinha cansado de sentir-se cansado, evitando com cautela também o humor revolucionário, não estava em busca de expansão, explosividades, talvez sinceridade; naturalmente.

Era Outubro, a loucura da umidade formava bolhas secas no pé após o banho, as folhinhas - verdes em extremo - temiam o lento jabuti. Os outros, todos eles, estavam com muita pressa. Olavo também.

2 de outubro de 2009

ao espelho

E se não tenho a carne
que me alimenta
que me sacia
e sangra na minha boca

Ardente em desejo
me contento com a força
obscura e egocêntrica
que o espelho me oferece

E meus desejos invadem
a fria face
mas voltam feito faca lançada
cortando a realidade.

adaptado de rascunho escrito no dia 4 de Junho de 2009, originalmente intitulado "Carne"