Estava atado então por regras ordinárias, frias, trançadas envolta dos laços do afeto, esmagando-o pouco a pouco, e à cada vez que se sentia mais livre, sentia mais medo e assim prendia-se mais ao descaso.
Nunca revelara que amara alguém, pois não sabia de fato se tinha encontrado este sentimento. Vivenciá-lo era profundamente perturbador, estranho demais, não se enxergava livre para sentir isso antes, não se permitiria agora. Antes, pensara, como agora, não queria limitar-se, definir-se. Não aclamaria algo que não estava certo de que poderia amar e cuidar; por duas vezes tentou e falhou. Agora, vivia um intenso desacordo de ideias, apresentado pela mesma condição de declarar-se sim, apaixonado como estava, mas fora das regras demais do seu papel, do que gostaria e desejava para si quando nem ao menos pensava sobre o que era o amor, mas apenas sua representação mais óbvia: uma família silenciosa, que projetava para o mundo não mais do que os momentos simples, calando-se diante dos próprios temores, que nada tinham a ver com esses preconceitos sociais existentes, pouco importava a opinião alheia ou a dos entes internos, mas desconhecer as vontades e os anseios dos iguais ali dentro das seguras paredes familiares, era o maior medo que poderiam enfrentar.
Não chorava, pois seria demonstração de fraqueza, ou não chorava pois não conseguia saber se havia motivo para tanto, se era justo. Com ele, com certeza não era.
Fugia por sentir-se amado, e temia ferir o outro. Temia cair na tentação de ser como todos são quando finalmente compartilham com alguém algo que mostra as faces absolutas da alegria e da tristeza.
E por temer ou não entender, não viveria. Nem ele, nem o outro. Não estavam, como diriam por aí, distraídos em confidências conjuntas, esquecendo de todas as outras coisas. Portanto, não tinham o que desesperadamente necessitavam; um não conseguia livrar-se de si e o outro não conseguia parar de tentar entender isso. Ambos preocupados demais em tentar descobrir o que eram, e além, o que seriam.
Não se tratava de coragem, nem da vontade humana. Muito menos de um milagre. Esperava-se algo, ou alguém. Um estalo, ou nada.
2 comentários:
Esse texto me lembrou um outro, da Clarice Lispector
"Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos."
Gosto dos seus blogs ;)
Eu me orgulho de você.
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