5 de dezembro de 2010

Conchas

Naquele estranho primeiro dia o Sol estava encoberto, mas ainda assim de ponta a ponta a areia da praia emanava um calor úmido e levemente pegajoso.
Sentado ali há alguns minutos, a observar em silêncio o mar, notou que os olhos nada viam e os pensamentos também estavam ali mornos, volumosos, como as nuvens no céu. Entre os mais simples, talvez o mais baixo e menos cinzento, estava uma dúvida ordinária: por que não haviam conchas ali? Nem toda praia tinha conchas na areia, isto era certo, mas por quê?

Como de costume, levou o simples ao alto de uma torre abstrata, afirmando para si que naquela praia o mar não trazia surpresas, tesouros ou até mesmo coisas do passado. O mar dali era e sempre seria o mesmo, por mais que os céus mudassem ou pessoas com suas tralhas perdidas esquecessem algo, ele resistiria igual e presente, sem desejos divinos - teria acontecido ali alguma vez um naufrágio? - tal qual um cenário, um palco, onde é possível mudar a iluminação e outros detalhes, mas que ainda depende - e riu-se - da percepção dos passantes e dos atores.

Desenhou uma concha com o dedo. Mal terminara o desenho e começou outro, até que cinco ou nove conchas de diferentes tamanhos e formas estivessem desenhadas a um braço de distância.

- O que você está fazendo? - E ao invés de um susto, foi tomado por uma decepção infantil, portanto, verdadeira.
- Conchas. Não há conchas por aqui, então resolvi fazê-las. Na verdade, só eu poderia ter feito isso.
- Deus também e melhor que você.
- Duvido muito, já que eu estou aqui e eu mesmo as fiz. Se você quiser, inclusive, posso fazer outras. Deus, no entanto, não vai poder te atender como você supõe.
- Boa. Mas isso aí no chão não são conchas, são desenhos.
- Claro, e você é Magritte para me dizer isso. Se for assim, te digo também que isto aqui não é chão.
- Não chegaremos ao fim disso se continuarmos. Vai cair?
- Daqui a pouco.

Esperou por um momento, sabia que algo deveria ter acontecido, faltava um ato ou gesto, mas foi inútil fazer da presença alheia um lugar comum para seus desejos. Quase sempre era inútil. E voltando-se para o mar, sabia que toda e qualquer mudança depende daquilo ali, de fazer as coisas - como as conchas na areia - e havia feito o suficiente.

Quase dois anos depois, quando retornou àquela praia, sozinho, surpreendeu-se ao encontrar uma concha, branca e frisada, do tamanho de uma unha. Estava errado sobre... sobre o quê mesmo? E um único pensamento tornou-se denso e opaco; restava a dúvida.

Neste dia fazia Sol, mas havia uma única nuvem no céu, encobrindo um pedaço do azul.

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