23 de abril de 2012

olho d'água

e veja esses poços circulares, de dimensão infinita, conjuntos equidistantes, numa terra onde não chove e cujo silêncio é o chiado morto de uma massa humana que respira desigual; vislumbram nas beiradas o seu próprio reflexo, uma imagem rasa cultivada pela ausência do vento, e ao redor de cada poço tantas outras almas demoram-se nesta sede;

no centro de cada poço habita uma ninfa entediada, uma escrava dos deuses, e que faz de sonhos perdidos pequenas pedras brilhantes; vez ou outra as ninfas atiram as pedras na água e esperam - famintas - as ondas chegarem às bordas e de lá voltarem causando um grande desespero aos narcisos, que se atiram em busca da própria imagem.

os que restam uivam e choram diante do espelho retorcido, e suas lágrimas alimentam cada círculo até que a água permaneça estática e suas existências voltem a ter sentido.

certa vez, uma ninfa atirou-se ao poço.

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