21 de junho de 2012

Estrada

eu já estava com trinta e dois, trinta e três, não lembro bem agora a minha idade; trinta e dois. sei que era trinta e dois por que você, Olavo, já havia chegado aos trinta e cinco.

estávamos, eu e você, numa disputa simples e cotidiana de argumentos, sem acidez, sem mal estar; você dirigia o carro e eu segurava o seu celular acompanhando o nosso trajeto, um pouco sem notar, já que eu conhecia o caminho, mas você não confiava em mim (apenas uma vez, por algum momento, mas não convém lembrar agora). por uma besteira qualquer do lugar o sinal desapareceu, e seu comentário de "ok, tudo bem, melhor assim que não consome tanto" do seu eternamente citado dinheiro me pareceu tão comum à situação que apenas larguei o celular entre as minhas pernas e nós dois nos desligamos do que acontecia;

eu estava perdida, sem paranoia, sem transtornos, mas imersa em devaneios múltiplos sobre o calor, acidentes de carro e a ausência há muito sentida da sua mão sobre a minha; falei sobre as vacas, uma conversa que durou 22 segundos;

houve um silêncio de todas as coisas, nenhum outro carro à vista, nenhuma construção ou referência que não fosse a estrada, você chegou a diminuir a velocidade e abrir um pouco mais o vidro deixando o cheiro de terra fresca entrar abundantemente.

como um raio o celular cortou ao meio nossa tranquilidade, um nome qualquer, um número qualquer, mas que você se recusou a atender, mas não negou a chamada e fixou os olhos no centro da estrada como nunca fazia; Olavo você me evitou de forma pétrea e eu sequer tinha feito algum comentário, nem ao menos dentro da minha cabeça e dali em diante naquele dia todas as suas frases e comportamentos tornaram-se robotizados, mecânicos, até mesmo sorrir e aproveitar parecia - aos meus olhos - em você uma atitude forçada para engolir a realidade dos seus planos, como se curtir um mero momento de lazer fosse não só uma obrigação que você empunhava-se em praticar, mas um verdadeiro trabalho contra os pensamentos que vinham à sua cabeça.

demorei muito, muito tempo, Olavo, para perceber que eu fazia parte dessa sua eterna rotina de trabalho; e de forma proposital; não que eu fosse uma completa experiência, uma cobaia cega da sua decisão de mudar as coisas na vida, não posso ser tão dura com você a este ponto, mas eu era apenas mais uma peça na sua enorme máquina estratégica de evitar tocar os sentimentos, de se ferir, de errar, e quando passei a apontar a falha estrutural dos seus planos não apenas lhe indicando isso, mas "sendo" verdadeiramente um erro de cálculo, você optou pelo descarte, pela fuga; tesão e apaixonamento, lubrificantes dessa engrenagem medonha construída por você, foram imediatamente cortados, e eu - o que havia de sobrar para mim? -, eu terminei de mãos atadas, do mesmo jeito que comecei, como pude notar depois de tanto tempo.

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