30 de janeiro de 2007

O Reino de Bosta Nenhuma


Era uma vez, em alguma época distante e remota, um pequeno reino... o Reino de Bosta Nenhuma. Ele era como qualquer outro reino, tinha um rei, terras verdejantes, camponeses frustrados e cavalos brancos. Porém o Reino de Bosta Nenhuma também tinha bruxos e bruxas que brigavam incansavelmente pelo poder.


Os camponeses já não aguentavam mais a baboseira de duelos entre os feiticeiros locais, uma demonstração idiota e que sempre termina no fracasso e vingança do perdedor. Inconformados com a barulheira que era feita com os feitiços lançados, representantes de todo os cantos do reino foram até o palácio real falar com o Rei de Bosta Nenhuma.

Sentado em sua enorme cadeira real, com toda a pompa, serviçais, bobo da corte, coroa, jóia e rainha à tira colo, o Rei marcou uma audiência com os representantes do povo.


- Majestade - disse o carpinteiro mais velho do reino - Bosta Nenhuma está um inferno! Não se consegue trabalhar com a barulheira feita pelos feiticeiros do Norte!


- Hum - pensou o Rei distraído com seu anel de rubi - Falarei com os feiticeiros do Norte, fique tranquilo velho carpinteiro, eles não irão mais te atrapalhar.


O carpinteiro agradeceu várias vezes ao Rei, e saiu fazendo reverências. O anúncio do próximo representante logo não tardou...


- Majestade - disse o maior fazendeiro do Reino - Minhas ovelhas estão assustadas! Já perdi muitas por causa dos feiticeiros que fazem duelos próximos à minha fazenda.


- Hum - pensou o Rei distraído desta vez com uma sujeirinha em sua luva impecavelmente branca - Limitarei os duelos próximos à sua fazenda. Fique tranquilo fazendeiro e cuide de suas ovelhas!


O fazendeiro fez uma reverência e saiu. O Rei esperava o próximo representante, mas uma barulhada às portas do palácio foi ouvida. Preocupado e curioso, o Rei mandou guardas averiguarem a situação. Logo um deles voltou com a informação...


- São os feiticeiros Majestade! Eles exigem que o Vsa. Majestade abdique o trono de Bosta Nenhuma! - disse o guarda apavorado.


- Hum - pensou o Rei olhando pelo vitral da sala de audiências reais - Talvez eles estejam certos... afinal eu não tenho poderes, não lanço feitiços e os camponeses não têm medo de mim. Chame o feiticeiro mais poderoso que está lá fora para uma audiência comigo.


Abismado, o guarda fez uma rápida reverência e saiu correndo pelo palácio. Algum tempo depois entram aos berros cerca de quarenta feiticeiros com seus chapéus e mantos espalhafatosos.

Um deles, vestindo um longo manto azul profundo, foi o primeiro a se dirigir ao Rei.


- Majestade! - gritou o feiticeiro - EU sou o mais poderoso feiticeiro de Bosta Nenhuma! E exijo que abdique o trono imediatamente!


Em polvorosa o resto dos feiticeiros começou a contestar o poder do feiticeiro e uma discussão sem limites começou.

O Rei então levantou-se do trono e bateu palmas sozinho até que todos prestassem atenção em seu irônico rosto.


- Muito bem - falou o Rei olhando para os feiticeiros - Se vocês conseguirem me responder à uma pergunta decentemente eu deixo o trono e até mesmo o reino para sempre.


Atônitos, os feiticeiros fizeram silêncio esperando a pergunta do Rei. Alguns até debocharam e riram baixo, afinal eles eram tão inteligentes e sábios que não se preocupavam com o que poderia vir de um reles homem com uma coroa na cabeça.


- Alguém sabe me dizer por que nosso reino tem o nome de Bosta Nenhuma?


Um silêncio mortal seguiu-se à pergunta do Rei. Nenhum feiticeiro sabia responder aquilo, e mesmo alguns estando ali antes mesmo do primeiro rei aparecer, aquela pergunta parecia ser impossível de ser respondida.

Até que uma voz infantil surgiu de lá do fundo... e uma menina de cinco anos apareceu na frente dos feiticeiros dizendo:


- Eu sei Majestade! Eu sei! - garantiu a garotinha ávida por atenção com seu curto braço levantado. O Rei sorriu para a garotinha e fez sinal para que ela se aproximasse.


- Então, criança, qual é a resposta da minha pergunta?


A garotinha virou-se para os feiticeiros que a olhavam surpresos, olhou rapidamente para o Rei e antes de responder à pergunta deu uma risadinha.


- O Reino de Bosta Nenhuma tem esse nome porque não é um reino de verdade.


Os feiticeiros abriram a boca para falar algo, mas tiveram a súbita impressão de que aquilo não era necessário. Haviam entendido o recado.

O Rei por sua vez, abaixou e beijou a bochecha da garotinha antes de deixar a coroa no trono e sair pelos fundos do palácio. Todas as pessoas no local se retiraram... guardas deixaram as armas e as armaduras, os feiticeiros deixaram as varinhas e os chapéus pontudos. E uma solidão tomou conta do lugar, exceto pela garotinha que estava sentada no trono com a coroa nas mãos tão pequenas.

O último a sair e passsar pelo sala de audiência foi o bobo da corte, que deixou suas argolas e seu chapéu com guizos perto do trono. Ele teve um rápido pensamento e voltou-se para a garotinha...


- Qual é o seu nome? - perguntou o bobo da corte.


- Imaginação - sorriu a garotinha antes de desaparecer junto com todas as outras coisas existentes no Reino de Bosta Nenhuma, que não era um reino de verdade.

23 de janeiro de 2007

Os Pombos de Toni


Antônio não tinha nem um tipo de doença, inclusive sua saúde era invejável e muito comentada por todos os seus médicos. "Que bebê lindo! Forte, corado! E olha como está com um bom peso!" - já dizia a pediatra.
Quando fez 50 anos, Antônio resolveu fazer um check-up completo só por querer mesmo. Essa decisão foi apoiada pelo cardiologista, pelo otorrinolaringologista, pelo oftamologista e até mesmo pelo proctologista. Todos assentiram com a cabeça e deram um tapinha nas costas de Antônio quando divulgou ele a sua idéia.

Durante quase três meses, Toni (como era chamado amistosamente) fez os mais bizarros exames médicos existentes e tomou várias doses daquela coisinha legal que faz seu cérebro brilhar durante o encefalograma. Fez contagem de hormônios, de glóbulos vermelhos, de glóbulos brancos, de lipídios e de quase tudo que pode ser contado no corpo.
Retirou cerca de 500ml de sangue só para completar todos os exames previstos na tabela do plano de saúde e encheu 3 potinhos de urina, 2 de sêmen e 4 de fezes. Tudo como previsto.

O resultado de todos os exames era como uma paisagem de verão para os médicos de Toni. Todos disseram que ele poderia viver mais de cem anos, se tomasse algumas vitaminas é claro. E que nada parecia afetar aquele corpo de cinquenta anos com idade biológica de trinta e três.

Um ano depois, Toni estava cansado de sua saúde perfeita e queria fazer outro check-up completo, mas seus médicos não recomendaram e mandaram Toni de volta para casa.
No caminho, Toni parou em uma praça lotada de pombos e sentou-se em um dos bancos vagos. A praça era bem grande e várias pessoas passavam por ali para cortar caminho entre um lado e outro dos arredores.
Toni prestava atenção nos pombos, nas pessoas e no grande espaço à sua volta. Aquilo começou a lhe dar uma aflição súbita e todos pareciam andar e se movimentar comos os pombos no chão, tudo ficou cinza e todas as pessoas começaram a prestar atenção em Toni. O coitado desandou a gritar e sair correndo pela praça como um completo louco.

Ao chegar em casa ligou para seu psiquiatra e marcou uma consulta de emergência, mas disse que seria impossível sair de casa com os pombos rondando à sua volta. O psiquiatra tentou acalmá-lo e dizer a ele que eram apenas pombos e nada mais. Não adiantou. Toni se matou pouco antes do Natal e deixou um bilhete onde explicava sua aflição súbita por pombos, e que aquilo era uma doença que os médicos não previram.
Os médicos é claro ficaram transtornados e obcecados com o bilhete que foi lido durante uma conferência anual de medicina na pequena (e roceira) cidade de Toni.

No dia 5 de Janeiro o corpo de Toni foi exumado e estudado pelos melhores médicos psiquiatras e especialistas em doenças psicobiológicas. Nada anormal foi encontrado e os médicos colocaram as culpas nos pombos daquela cidade.
Uma matança incontrolável foi iniciada pelos habitantes e um decreto estadual foi feito após o escândalo atingir proporções inimagináveis. Várias pessoas começaram a cometer suicídio e declaravam em cartas que foram abatidos pela Doença de Pombottoni, que recebeu status de "fobia-psicobiológica-autoimune-indiretamente-contagiosa-epidêmica-universal".
A OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou epidemia eminente em todas as regiões do planeta e caça aberta a todo e qualquer pombo no mundo.

Um surto psicótico começou e milhões de pombos foram abatidos, principalmente, por gás tóxico. A capital da França, Paris, foi evacuada por dois dias e uma mega-bomba de gás foi lançada. Ela matou cerca de treze mil pombos só na Grande Paris e atingiu as cidades próximas através da deslocação das massas de ar.
Em Nova Iorque um sistema ultrasônico desenvolvido para ser ouvido apenas pelos pássaros (o maior número possível de pássaros foi retirado da área de alcance, exceto os pombos, é óbvio), teve seu volume aumentado acima do previsto e qualquer pombo que estivesse em um raio de 5Km teve a cabeça explodida pela vibração do sistema sônico. Todos os demais pombos no alcance de até 15Km morreram instantaneamente.
No Rio de Janeiro e em São Paulo, todo e qualquer pombo foi abatido à tiro. No Camboja, o governo oferecia uma cesta básica para as famílias que conseguissem matar, no mínimo, cinquenta pombos. O Japão construiu grandes telas nas maiores praças públicas do país, e desenhos com cores brilhantes e piscantes que foram transmitidos causaram o maior (e único) ataque de epilepsia entre aves. A China divulgou nota oficial declarando que qualquer pombo em seus territórios era proveniente da Europa e da América e que eles deveriam se responsabilizar pelo abate ou teriam que sofrer as consequências. Após esta declaração, foi o único país a receber todos os sistemas de abate a pombos desenvolvidos pelo mundo.

A Doença de Pombottoni causou a morte direta de quarenta e cinco mil humanos e nenhuma outra espécie foi abalada. A morte indireta (causada pelos sistemas de abate) de seres humanos alcançou o número assustador de cem mil pessoas e um número incalculável de animais das mais variadas espécies, desde formigas à girafas.

Dois anos depois do início da matança generalizada de pombos urbanos, o último foi abatido em Assembléia Geral da ONU.
A espécie do pombo (Columba livia domestica) foi declarada, com sucesso e festas mundiais, extinta. Este dia é comemorado por todas as nações da Terra. E é de bom grado ter um estátua ou monumento em prol dos Mortos por Pombottoni na sua cidade.

(ah, e isso não é lenda urbana não hein!)

22 de janeiro de 2007

Os Solares


Eles estão por toda parte, no meio da multidão, nas ruas, nos escritórios, nas escolas, nos elevadores e até mesmo na tela da TV.
Você os reconhece por algo que não consegue definir. Não sabe dizer se é o sorriso, o brilho diferente nos olhos, a maneira como fala ou se é apenas mais uma pessoa encantadora. Mas não pense que eles cativam a todos, não mesmo. Eles apenas são eles mesmos, e muitas vezes isso incomoda muita gente.

Os Solares têm senso prático quando estão animados, resolvem problemas de forma simples e estão na linha de frente para defender suas posses e seus "patriotas" da forma que lhe for conveniente. Geralmente eles não são muito conhecidos, você só repara neles quando há mais de um na mesma empolgação de um local, e quando ambos se conhecem é claro.
De primeira um se incomoda com o outro, mas sempre há um lado mais tolerante à princípio e por fim não há quem segure a combinação explosiva que dois (ou mais deles) conseguem formar.

Eles se viram como podem, passam rápido entre as pessoas, enfrentam os temores alheios e ainda têm tempo para sorrir. Mas nem tudo são flores para os Solares.
Experimente contrariá-los quando estão certos... (ou até mesmo quando apenas acham que estão), interrompê-los em algum progresso ou passá-los para trás. Raios e trovões irão pairar sobre a sua cabeça de forma a ameaçá-lo constantemente até que mude de idéia, caso contrário, sofra as consequências.

Apesar de tudo, os Solares são uns amores quando brilham como o Sol. Quando estão rindo, quando estão completamente envolvidos com um trabalho prazeroso ou quando estão com seus "afilhados" por perto.
Divertí-los é algo que muitos conseguem, mas eles gostam muito mais de divertir os outros e de receberem reconhecimento por isso. Eles são alegres e sinceros, mas podem sofrer de tendência ao mal humor momentâneo. Quando isto acontecer deixe-o de lado até o momento em que ele requerer a sua atenção.

Lembre-se eles estão por toda a parte, e estão de olho em todos à sua volta. Não importa que você seja, chegará uma hora que uma forma extraordinária de encantamento súbito por alguém irá aparecer e então, você reconhecerá como um Solar.

20 de janeiro de 2007

Asas e Cera


A história de Ícaro e seu pai é um dos melhores contos da mitologia grega. Não só por conter o mesmo dramalhão encontrado em outros contos, como de Orfeu e Eurídice, mas por me ajudar a aprender uma lição. Uma que, é claro, já observei em algumas seletas pessoas.

Quando chegamos à uma certa idade, ali no meio do caos adulto e da ternura infantil, a mente nos prega uma peça todos os dias. Estamos sempre loucos, nervosos, ansiosos, insatisfeitos e sexualmente insaciados. E não me venha dizer que é mentira. Nossas fobias, nossos medos e nossas insanidades ocasionais nos pegam sempre de surpresa. E o que fazemos? Na maioria das vezes nós vamos para o lado desgostoso, engolimos as coisas e nos desesperamos momentos depois. E é assim que deve ser.

Porém, quando se chega ao ápice da tortura pessoal, percebemos que a queda vem em seguida e aí é que está a grande jogada.
As pesssoas realmente não se importam umas com as outras, estão sempre preocupadas com problemas pessoais ligados indiretamente às outras pessoas e só. Só se tem noção disso quando a porta da terceira infância se fechou de vez e seus conceitos de liberdade são totalmente diferentes do que eram há alguns anos atrás.

A principal necessidade é a de asas para voar. Para esquecer um pouco daquele mundo familiar que lhe traz tantas memórias do passado. Memórias essas que são tentadoras para surtos histéricos e crises existenciais.
O único problema disso tudo é estar certo das asas que arranjou e das limitações que elas ainda lhe trazem. Como na história de Ícaro, que após anos montando com seu pai as asas que trouxeram liberdade a ambos, ficou tão fascinado com elas que alcançou altura suficiente para ter a cera, que colava as penas das asas, derretida pelo calor intenso do Sol e morreu após a queda no Mar Egeu. Nós também podemos sofrer da mesma tragédia, exceto pelo fato das asas serem apenas uma metáfora e a morte não ser necessariamente o gran finale.

Alcançar o vôo para uma doce escapatória é algo que deve ser pensado e avaliado. Se quiser apostar todas as fichas, tudo bem, mas a aventura deve lhe trazer mais experiências boas do que ruins, ou então o preço e o tempo gastos não serão recompensados.

Se for inteligente e não voar além do que suas asas permitem (ainda), o destino final da primeira etapa será um local seguro para repensar as vivências e construir novas e maiores asas. E nada poderá ser melhor do que obter esse reconhecimento através de si mesmo.

14 de janeiro de 2007

A Arte de Perder


Baseado no poema "One Art" de Elizabeth Bishop, com os fundamentos do filme Em Seu Lugar (In Her Shoes).

A arte de perder é algo muito complicado. Vai além dos limites da minha compreensão.
Eu perdi as contas, os dias, as semanas e os meses desde que tudo perdeu o sentido. Perder é não saber quem te ouvirá e te animará no dia seguinte, na manhã seguinte e em cada telefonema essencial.

Para muitos pouco importa, para poucos importa muito.... perder é sentir falta, é ficar doente, é ficar chato com os outros, é entrar em desespero.
Para suprir a falta não bastam lágrimas, retratos, frases curtas, baladas tristes... perder é algo realmente insuportável.

O que você perdeu? (Escreva). Isso é algo que te importa agora? Que te consome e arde em sua cabeça? Suas noites ficam claras, seu sono é inexistente.... porquê? (Escreva).
Eu perdi um império, três vidas, minha razão e todas as minhas forças. E mesmo assim, perder você ainda não me cabe... não me parece verdade.

Todas as pessoas me parecem ter desvios de vaidade. Mas porque você? Sabes muito bem que sua ausência me pertuba, me tira o sono, me acorda tarde e me olha de soslaio. Você está em todos os cantos, em cada hora, em cada pensamento brando e em todas as páginas em branco que deixei de preencher com a minha habilidade agora falha, fraca, quase detestável.

Meu coração está vazio... e eu te carrego no meu coração, mas sua ausência o deixa incompreensível, rebuscado. Isso sim foi e é um desastre.
Eu te carrego no meu coração.