O que mais me irrita agora é o calor. Minto, são as janelas. Minhas janelas são abertas para a inconfundível urbanidade, para o cimento, árvores jovens e sonhos faraônicos da arquitetura.
Sinto a falta dos girassóis, quando eles eram três... plantados em um vaso cinza. Mas eles não passavam de invejosos do ideal de um campo repleto, do horizonte verde e amarelo, do meio-dia refletido pelas pétalas douradas, apontadas para o céu em submissão à luz eterna.
Meu encontro com a maturidade é certo, não posso evitar. Nem sei que idade tenho, não avalio à mim mesmo, apenas aos outros. Me lembro dos planos, das viagens por ocorrer (que não irão acontecer), da troca de risos. Agora está tudo bem, os outros me iludem facilmente, mas eu cansei...
Os valores me são estranhos, eu não os reconheço mais, não posso acreditar neles. Estou aberto nos dias comuns, delirante, mas não consigo esquecer os girassóis. Já me esqueci de esquecê-los, deve ser por isso que retornam nas horas impróprias. Ali na simples leitura de Virginia, nos números rabiscados em cadernos ou na minha prisão domiciliar.
Admito que não sei o significado de tudo isso, mas pouco importa agora. Eram chances demais, oportunidades que meu destino corrompe como todas as outras vezes. Sei as origens do problema, as complicações cósmicas e também das mentes céticas. Realidades têm dentes fortes e praticam o canibalismo, não se pode colocá-las juntas tão abruptamente, o tempo deve mediar o encontro.
As janelas são minha visão antecipada e também a abertura da minha mente conturbada. Toda vez que o ar aquecido entra girando pela sala, eu me lembro dos campos de girassol. E memórias suas são vistas através da janela.