24 de fevereiro de 2007

Memórias Suas (Girassóis)


O que mais me irrita agora é o calor. Minto, são as janelas. Minhas janelas são abertas para a inconfundível urbanidade, para o cimento, árvores jovens e sonhos faraônicos da arquitetura.
Sinto a falta dos girassóis, quando eles eram três... plantados em um vaso cinza. Mas eles não passavam de invejosos do ideal de um campo repleto, do horizonte verde e amarelo, do meio-dia refletido pelas pétalas douradas, apontadas para o céu em submissão à luz eterna.

Meu encontro com a maturidade é certo, não posso evitar. Nem sei que idade tenho, não avalio à mim mesmo, apenas aos outros. Me lembro dos planos, das viagens por ocorrer (que não irão acontecer), da troca de risos. Agora está tudo bem, os outros me iludem facilmente, mas eu cansei...
Os valores me são estranhos, eu não os reconheço mais, não posso acreditar neles. Estou aberto nos dias comuns, delirante, mas não consigo esquecer os girassóis. Já me esqueci de esquecê-los, deve ser por isso que retornam nas horas impróprias. Ali na simples leitura de Virginia, nos números rabiscados em cadernos ou na minha prisão domiciliar.

Admito que não sei o significado de tudo isso, mas pouco importa agora. Eram chances demais, oportunidades que meu destino corrompe como todas as outras vezes. Sei as origens do problema, as complicações cósmicas e também das mentes céticas. Realidades têm dentes fortes e praticam o canibalismo, não se pode colocá-las juntas tão abruptamente, o tempo deve mediar o encontro.

As janelas são minha visão antecipada e também a abertura da minha mente conturbada. Toda vez que o ar aquecido entra girando pela sala, eu me lembro dos campos de girassol. E memórias suas são vistas através da janela.

20 de fevereiro de 2007

Uhu


Dias de festa nos deixam animados, excitados e revirados. Claro, afinal é pra isso que servem, para agitar um pouco a nossa urbanizada e enlouquecida vida, cheia de problemas impensados, dores de cabeça e pensamentos aprisionados.

Nós queremos de alguma forma refletir com novos ares, usamos a música para isso talvez, nem que seja algumas vezes. Psiquiatras diriam que "as pílulas são para lhe dar espaço", mas acredito que a música também pode fazer isso. Afinal estamos por aqui há alguns milhares de anos e tenho certeza de que pensamentos sem noção já ocupavam a cabeça de nossos ancestrais, em uma época onde não havia pílulas para "dar espaço". Talvez seja por isso que batiam tambores por qualquer coisa, ou realizavam rituais em busca de um conforto mental, mas hoje? Hoje, você vai na farmácia comprar o remédio que outro psicótico que nem você lhe receitou. Tá certo que o psicótico é formado em Medicina, teve que aguentar defuntos, formol, sangue e casos bizarros de bolhas aparecendo onde não deviam estar, mas isso não o faz menos lunático que você, ou faz?


Enfim, Beethoven era surdo e para fazer a maluquice dele usava um pedaço de madeira preso ao piano para morder ou pressionar contra a testa. E ninguém virou para ele e disse: "Ei BETH! VOCÊ PRECISA DE PÍLULAS!". Bem, eu não sei se já tinha pílulas naquela época, mas com certeza o médico teria receitado alguma muamba contra a "maluquice" de Beethoven.

Não podemos esquecer do fato que tem muita gente doida que gosta de ficar ainda mais doidona, nos lugares onde as pessoas vão para aliviar a panela de pressão que chamamos de cabeça. Essas criaturas, que perderam a noção já no berço, deveriam ficar com as pílulas e deixar os loucos-normais (que somos nós, ok?) se acabarem na pista. Sabe? Descer até o chão, fazer a dança do pavão, essas coisas... pode falar que concorda, eu não vou ouvir.


Ainda tenho a convicção de que quando ficamos muito tempo sem ouvir uma boa música, ali no rádio mesmo, perdemos o fio da emoção e ficamos irritadinhos com coisinhas. E a "panela" não nos deixa em paz (pstch, pstch, pstch... girando igual e soltando fumaça). Por isso eu, que não sou formado em Medicina, mas que já vi um bom número de corpos sem vida (humanos e animais, não me rotulem como Zé do Caixão, pelamor), acredito na perdição uma vez por semana. Esqueça o resto, esqueça mesmo, mas pelamordedeus lembre-se na segunda-feira quando acordar, ou eu vou ter que concordar que você precisa de análise e de pílulas.


Agora vai, que eu te encontro lá.

17 de fevereiro de 2007

Prozac



O problema é querer um problema. É abrir duzentos braços para o que vier pela frente. É permanecer inconscientemente calado, esperando apenas que a razão lhe complete as palavras na boca.
Acordar todos os dias com a mesma sensação de que você está se tornando outra pessoa é viciante. Você sabe que continua o mesmo, apenas finge involuntariamente que não é. E como isso cansa, e muito, você tem pequenos surtos e grande necessidade de mudança, mas nada acontece. Então você engole a sua derrota como um Prozac, e se satisfaz com delírios próprios e encenações para a consciência.

Não suportar o meio-termo é o que te consome. Estar sempre beirando a felicidade plena e a depressão suprema não é algo divertido. É como uma luta eterna entre deuses gêmeos criadores do todo. Titãs de igual poder que brincam com você como uma bolinha, para lá e para cá. E você não sabe qual deles vai se cansar e desistir sabendo que perdeu por escolha própria.
Nenhuma tentativa de escapatória você consegue planejar, por que sabe que irá falhar.

E a principal dúvida que te acorda pela manhã e não te deixa dormir à noite é sobre o que seria melhor: o abandono da felicidade ou da depressão?


*Retirado do Diário Pessoal

6 de fevereiro de 2007

(Sempre) As Horas


Um dia, quando chegar a hora, nosso tempo irá acabar. Nossas vidas irão murchar de pouco em pouco. Bem como cada árvore, cada flor, cada jardim que lembrarmos. E os rios e mares que conhecemos irão secar.

Nosso estilo de vida, nossos livros, nossas músicas. As idéias, os grandes pensadores, a moral, a ética, o velho e o novo. Nada permanecerá.

E de certa forma nos preparamos para isso de maneira natural. Percorremos situações, conhecemos pessoas e lugares, adquirimos o conhecimento herdado de outras gerações. E também fazemos coisas simples, vamos à praia, compramos pão, olhamos pela janela ou lemos um livro. Estamos sempre à mercê das horas. Usamos relógios, vemos relógios, ouvimos relógios. O tempo nos acompanha como um escravo. Até o último acorde, quando o Sol se pôe e nos preparamos para as novas horas.

Mas nada nos basta, nada nos sacia, vivemos para nós mesmos, buscamos a felicidade e queremos esquecer nosso lado infeliz. Mesmo sabendo que estes conceitos são falhos e antiquados, que o que nos cerca são as horas.


Temos medo, vivemos com um instinto que nos cega e nos consome. Fazemos o inusitado, recebemos prêmios próprios e aplausos da consciência. Aí nos perdemos, enlouquecemos, suamos em busca do sempre, do ideal imortal, do fixo e do constante, como um vício nojento. E esquecemos completamente de tudo e de todos, inclusive de nós.

Mesmo os iluminados, os eternos benéficos, os visionários e poetas podem perder o prumo, o ritmo, o fio. Isso porque não percebemos que quando tudo acabar, quando não houver mais o anseio e o desespero.

O que nos prende e faz definharmos como uma árvore no deserto são as horas. Sempre... as horas.