30 de agosto de 2009

Novo Desejo

Imperativo, pediu um novo desejo inventado. Todos os que tivera até agora não conseguem descrever o que almeja sentir, o próprio sentido do querer. E o novo, assim pensava, completa um vazio inexistente, em que se acredita só para se seguir adiante.

Porém, temia a larva do medo dentro da maçã não colhida: crescendo faminta pela carne do fruto que ele demorou a encontrar. Se estiver condenado, ele o engolirá em meio a ânsia e a vontade; o bem e o mal juntos.

E fez da sua imagem um escorpião em meio a um círculo de fogo, dando preferência à morte pelo próprio veneno que se deixar queimar, e arder em dor, no desespero pela liberdade.




(adaptado de rascunho feito no dia 28 de Fevereiro de 2009)



22 de agosto de 2009

Herói

Estranha nebulosidade que percorre teus sonhos e beira fria o batente da janela, tirando o brilho das folhas, entristecendo os carmins; eu vejo a realidade e tua imaginação correndo entrelaçadas, nuas. Mas algo mudou, como se a tarde, elétrica e silenciosa, tivesse aquecido os corações, incluindo o teu.

Sigo em frente, observo-te a temer os outros, e estremecer na minha ausência, calado e sentimental. Eu te amo.

E este herói que me invade, marítimo, rebatendo em meu orgulho montado, divide outros segredos, outros momentos, fazendo do cinza uma cor púrpura invejável, carregada de sentimentos; admiradores delirantes do afeto acolhem-se uns aos outros em alegria, sim, eu vejo. Eu vejo!

E te encontro com os olhos vazios, buscando o chão, almejando terra firme, pois sinto outra vez esta ausência luminosa, tu, cercado das próprias lembranças conjuntas.

Estou aqui. Eu estou.

6 de agosto de 2009

Frágil

Às vezes a borda de uma xícara de café assemelha-se aos lábios quentes de um outro. E este desejo, fruto de um desespero silencioso, era ainda mais denso agora, enquanto ele não só admirava a xícara, como a luz refletida na superfície negra; poço negro, a imagem da sua própria consciência naquele instante. Sorveu o desejo ao mesmo tempo que o pensamento, ambos deliciosamente amargos, porque não havia dor, sofrimento como dizem, mas um certo prazer envolvente, trazido pela indiferença do ego. Estava lá, ele, a xícara, e uma expressão de pouco caso ainda quente na garganta.

'Fo-da-se' murmurou baixo cada sílaba, para então sorrir, quase deixando derramar café sobre os inúmeros papéis, nenhum importante, é verdade, mas vitais para a organização de um homem desorganizado.

Lambuzou-se sem querer, e cometeu o reflexo de limpar a boca com a própria língua, fechando os olhos, induzido pela própria vontade à armadilha das lembranças; cilada da paixão. Engoliu o resto de café antes de ser levado à cavalo pelas palavras, e sacudiu-se para ir até a cozinha - lugar este onde todos nós deslizamos internamente para a moenda de nossos monólogos, a cozinha é definitivamente o melhor lugar para a punheta mental - deixando assim a xícara sobre o balcão, rindo ainda por imaginá-la como uma arma que acabara de usar para matar o tédio, tendo o tiro atingido qualquer lugar perto do orgulho que carregava nos minutos anteriores de engatilhá-la.

Ainda entre a sala e o escritório, esqueceu o que pensava, e seguiu, apenas ligeiramente desanimado, mas para o quarto.
Foi entre um sonho e outro, enquanto ouvia um sibilo que dizia-lhe que amar demais causa fissuras ao coração, que a xícara, última de um par colorido que comprara há tempos, trincou vazia, e solitária, na madrugada.