26 de fevereiro de 2011

Três verões rosas

Igual a tantas tardes de Verão, aquela chegou zunindo, fritando baixo o asfalto. Os dois estavam há mais de uma, talvez até duas horas na sala com aquele ventiladorzinho girando.

Ele na janela, observando, sempre um lado ou outro, o céu depois de um tempo e as próprias mãos para não perder o hábito.
Ela sentada, revirando arquivos, comentando algo a cada minuto e rindo.

Os dois riam e viviam toda aquela extrema alegria de uma convivência comum de duas histórias desiguais. Ajudavam-se e matavam-se, como todos.

Foi ela, claro, que veio com a pergunta, fazia-a constantemente, porque o estado dele era esse que colocava-a em dúvida e hesitante, querendo saber, querendo ajudar e mesmo assim chegava ali no cantinho e dizia: o que foi?

Viu a mesa e ela. Ambas paradas como uma coisa só, mas ela brilhava estática e decidida, a mesa era só cenário. Não respondeu; daí respondeu muito baixo um "nada", aumentou um assunto sem querer, às vezes inventava algo quando não sabia o que mais fazer para colocar a resposta ali no lugar que deveria.

Ela desviou o olhar suspirando. Já tinha entendido o recado, e sabia quais desejos estavam na cabeça dura do rapaz na janela. Embora preocupada, o alívio chegou na hora certa, quando ele...

- Onde vamos almoçar?

12 de fevereiro de 2011

Monólogo do homem que era um enigma

Esta noite usei como desculpa uma xícara de café. Estreita, mas funda, como os olhos de um amante embriagado, nela não encontrei qualquer resposta, talvez uma única pergunta: se não gostas de mim, por que me provas? E digo que não sei a razão deste pequeno hábito. Pode ser o calor, o conforto e até mesmo o segredo que cada xícara possui que me faz querê-las. Minto, sei que lido com elas como faço com afetos. Esqueço que são feitos de paciência e dedicação. Ignoro o sentimento daquilo que vislumbro como possível autoprogresso diante do obstáculo: minha mente difusa.

Sei que tudo poderia ser mais simples, mas para mim não é. Considero muitas coisas - e pessoas - vazias, tediosas ou desimportantes, e na minha ansiedade de apenas viver sem escolhas, sem perder ou ganhar, sinto que me condeno ao esteriótipo da mediocridade; xícara meio cheia, xícara meio vazia.

Dizem que vivo de fantasias, mas sei bem que vivo é de uma realidade muito óbvia, tão ordinária que me faz parecer livre daquilo que condeno, este meu medo; mesmice. É o que me conforta na xícara de café, ela me permite querer ir a fundo nas coisas minhas, mas apenas querer e não ir de fato.

Certa vez alguém partiu os grilhões dessa existência. Mas... aqui é o meu lugar, e assim eu não fugi, eu não fiz nada. E o nada abateu-se sobre mim de uma maneira pior do que tudo que poderia ter acontecido.