24 de maio de 2011

aquarela confessional

Andei pensando no seu rosto parado na varanda e nas coisas que você me disse aquele dia: gosto muito de andar de calça branca pela casa, e arrastar os pés no cimento frio do jardim. E lá você ficou, numa moldura feita pelo horizonte, de camisa suja de trabalhos e tarefas só suas, das suas ideias; e eu estava tão fixo e abestado com tudo isso que roubei uma foto sua ali, naquela hora, antes de você sorrir e me dizer: para! como que querendo mais, desejando mais, dando as costas para mim e pensando se eu não podia te fazer um altar inteiro, pra te admirar a tarde toda e pintar a sua calça, e a vaidade do vento que passa entre as suas pernas quando sai andando da sala para o quarto;

e a gente dançou uma música, eu fiz o café, esquecemos o dia e saímos de noite; não sei como nos encontramos sem sequer nos perdemos um do outro, mas nos seus olhos eu vi que a sua vontade era a minha.

10 de maio de 2011

poente

Havia no poente qualquer coisa que lhe indicava a sabedoria dos detalhes. E percebia, com certa surpresa, a chuva que chegara há pouco sem vento, sem vontade, naquelas horas onde - não saberia como explicar - ninguém estava.

Vago entre o laranja e o cinza daquela tarde estava o espaço que não ousavam tocar. Como um canto que temos no quarto; uma fantasia que poderia ser objeto, um sofá, uma mesa, uma possibilidade inteira e impossível, um desejo sem querer.

E profundamente desperto, atento aos veios de terra já encharcados, às flores caídas e ao silêncio dos pássaros, viu o gato passando rasteiro e medroso, mas nada o preocupava ou o satisfazia como a chuva que chegara há pouco.

Soltou os cadernos sobre as poças. As palavras que queria dizer se foram, e ele não lembrava como eram, nem sobre o que falavam. Estava ficando tarde, e aquela saudade outra vez adormeceu de lábios semiabertos, sincera em seu cansaço. E em respeito à ela, permaneceu em silêncio.