Desconhecia o poder das palavras diretas, únicas e seguras. Sentia o medo cozinhar logo abaixo do estômago, subia-lhe e tirava-lhe o fôlego.
Quando absorto sob o Sol, observava de lado a cicatriz, era marca, logo significava. A cicatriz, pura metáfora entenda bem, não mais incomodava, pois corte não era, obviamente. Porém, ainda significava.
E havia tanta coisa, a vida tomou-lhe a tapas a insegurança e arrumou, como uma grande mãe protetora, seu uniforme, seu padrão embaçado, uma mistura de ingenuidade e frescor, algo assim, mais ainda deu ao insólito rapaz algumas razões, uma certa falta de arrependimentos e capacidade múltipla. Para o recomeço, estava ótimo.
Porta à fora o dia raiava, em cada pedra, cada planta, o destino incerto parecia um mundo encantado, Alice invejaria aquele sentimento se fosse real, mas seria ele, agora também, apenas fantasia? Não se perguntava; a questão viria mais tarde dos outros, muito natural, estaria preparado para isso.
Sobre as próprias pernas era Rei, e reinaria por espontaneidade, por ter nascido para isso, para a sua vida, e pela ambulância de seu reino na vida dos outros.
Num novo dia de deslumbre deu-se conta de algo de antes. Então a vida correu, jogou-lhe todas as distrações possíveis, ergueu muros envolta de todos os pensamentos, enxotou cada praga do jardim das delícias, e achou que estava tudo resolvido. Mas a vida não podia deter o choque, o rebalanço do universo, o grande e egocêntrico Destino logo veio serelepe, ironizando a pobre vida, desolada e aflita, teve que usar o único remédio que também era veneno: a caixa de lembranças.
Neste dia, o insólito rapaz caminhava e relembrou por culpa das palavras, e quase sentiu que o corte se reabrira, viu nitidamente a causa. Estranhamente, não deixou-se amargurar. Ele apenas apoiou-se no que podia e seguiu.
A vida, apesar de receosa, endireitou-se após o abalo das lembranças. Era preciso conviver com elas.