8 de julho de 2012

sanguínea

eu esperei, Olavo, por horas na escuridão; escolhi a melhor das desculpas para ir dormir cedo: uma leve dor de cabeça que, no fundo, não era nada, mas servia de apoio ao meu desespero tal qual muletas para um aleijado; e assim permaneci, presa aos detalhes da noite - os cães, a ausência de brisa, os vizinhos chegando um pouco mais tarde que o normal - vascularizando minha esperança de redes finas de pensamentos; lembranças nossas, dias ensolarados - a paixão é sempre dourada de Sol -, mas também de venosas imagens inventadas: onde você estaria? e com quem? em infinitas comparações entre o que você faria comigo e com qualquer outra pessoa.

qualquer outra pessoa, Olavo, estava - de modo quase tangível - em melhores condições com você do que eu na minha imaginação.
com elas você dançaria, sorriria, saberia receber carinhos súbitos e retribuí-los; as levaria - pela mão - de um canto ao outro e deixaria se envolver no jogo sexual que um par exige, não porque quisesse, mas por que sabia que se apresentasse alguma primeira resistência todo o resto estaria perdido. Não é absurdo? que desconhecidos - quase plenos - possam circular nas fronteiras da sua confiança de modo livre, ativo, sem temer a sua rispidez infantil e o desprezo da sua falta de atenção?

mas, eu

Estela não sabia o que dizer, não conseguia verbalizar para si o inverso das cenas que montava, ainda que elas fossem muito mais reais, pois era a protagonista desses momentos; via-os como quem vê o próprio rosto na superfície de um lago e, confusa, abstraía todas essas imagens - reais e inventadas - de uma única vez, crente na razão obscura das coisas que a deixavam insone por algum motivo inexplicável naquele momento, mas - não tinha dúvidas - para fazê-la chegar ao seu próprio destino, para que pudesse enxergar um pouco mais o caminho.
Com os olhos fixos e os lábios abertos, Estela era um peixe; imersa em seu aquário de fantasmas, não mais uma mulher, mas a pura manifestação do seu inconsciente; até que alcançou o sono, amarga e tranquila, mas segurando os sonhos em rédea curta.

pela manhã o destino não lhe traria nenhuma dica; o dia estava cinza.

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